Vendée Globe 2020-2021
A volta ao mundo
que não para até terminar
Por Roberto Negraes
Seis mulheres e 27 homens disputarão a mais desafiadora regata do planeta, sem escalas nem ajuda externa
No próximo dia 8 de novembro, terá início a nona edição da Vendée Globe, sem dúvida alguma, a regata mais perigosa do planeta. Inspirada na lendária Golden Globe, a primeira competição de volta do mundo sem escalas, a Vendée Globe tem regras tão simples quanto temerárias: o navegador precisa completar a volta ao mundo em solitário, passando pelos famosos “três cabos” extremos do hemisfério sul (Boa Esperança, Leuwin e Horn), sem escalas e sem qualquer tipo de ajuda. Atualmente, os veleiros adotados são de características iguais para todos os concorrentes, os monocascos da classe IMOCA Open 60.
A competição percorre uma distância equivalente à circunferência da Terra, com 21.638 milhas náuticas ou 40.075 quilômetros. Contudo, os velejadores, homens e mulheres, terão de percorrer uma distância bem maior, de até 30 mil milhas ou mais, dependendo dos ventos (veleiros não navegam em linha reta).
A Vendée Globe foi criada pelo francês Philippe Jeantot, a partir da ideia original de outro navegador francês, Titouan Lamazou. A regata tem como ponto de partida e chegada a cidade francesa de Les Sables d’Olonne, localizada na baía de Biscaia e no departamento de Vendée (que dá nome ao evento). Disputada a cada três anos, esta regata de circum-navegação é popular principalmente entre os franceses, com centenas de milhares de pessoas comparecendo para assistir tanto a largada quanto a chegada dos competidores.
Curiosamente, a Vendée Globe não alcança a repercussão e retorno de mídia que outras regatas de volta ao mundo divididas por trechos conseguem por serem patrocinadas por grandes empresas (obrigando os competidores a escalas em diferentes países para atender a interesses comerciais). Isso porque grande parte dos recursos para a realização da Vendée Globe provêm de financiamento indireto, ou seja, os participantes recebem patrocínios de empresas ou instituições para seus barcos. Assim, os veleiros são batizados com os nomes de quem os financia. Em razão desse sistema, os navegadores são valorizados, e pode haver vários participantes de um mesmo país (os franceses montam a cada edição uma verdadeira “armada” para procurar manter o troféu em casa).
A primeira Vendée Globe aconteceu em 1989, com a vitória de Titouan Lamazou. A oitava e mais recente edição da regata foi em 2016/17, com vitória e tempo recorde de volta ao mundo (na competição) de Armel Le Cléac’h em 74 dias, 3 horas, 35 minutos e 46 segundos.
As dificuldades dessa competição exigem extrema habilidade, alto conhecimento de navegação e grande resistência física dos participantes. Sequer o moderno recurso de roteamento por computadores é permitido; apenas as previsões meteorológicas podem ser consultadas uma vez ao dia. Assim, cada competidor pode contar apenas consigo mesmo e com seu barco para completar a circum-navegação.
Dos 167 velejadores participantes das oito edições anteriores da Vendée Globe, apenas 89 conseguiram a façanha de terminá-la. Naufrágios, quebras de mastro, perdas de quilha e delaminações de casco, e até mesmo morte e desaparecimento de navegadores tornaram esta competição conhecida como o “Everest” das regatas. Nas versões mais atuais, várias medidas para segurança dos velejadores foram incorporadas, como boias virtuais (portões de passagem obrigatória) para impedir os participantes de descer demasiadamente para o sul, pelo risco de icebergs e blocos de gelo. (Conheça a história completa de todas as edições da Vendée Globe, aqui.)
Regulamento radical
A Vendée Globe é uma disputa em solitário, sem paradas nem auxílio. Os termos definidos pelo regulamento da organização são os seguintes:
Solitário: os competidores não podem levar nenhuma outra pessoa no barco, exceto no caso de uma emergência comprovada, como resgate de outro concorrente que tenha naufragado.
Sem escalas: os participantes podem até ancorar perto de terra firme e, sozinhos, efetuarem reparos em seus veleiros, mas não podem pôr os pés em terra além do limite da maior maré alta. Esta regra tem uma exceção: até dez dias depois da largada, o navegador pode retornar ao porto de Les Sables d’Olonne para reparos.
Sem assistência: a assistência material ou técnica é completamente proibida. Os concorrentes não podem se aproximar de outros barcos ou receber suprimentos. No entanto, são autorizadas comunicações sobre problemas técnicos com o projetista do barco ou com especialistas em vela e em informática. Até mesmo o roteamento pelo computador é proibido. A administração da competição envia aos concorrentes um boletim meteorológico diário e mapas digitais dos ventos, assim como uma análise (imagens de satélite e frentes) duas vezes ao dia. Os navegadores também podem acessar informações adicionais, gratuitamente ou mediante pagamento, desde que essas informações sejam acessíveis a todos os concorrentes e não incluam análises ou conselhos personalizados.
Até mesmo atendimento em razão de problemas de saúde de um concorrente, durante a regata, é interdito. Os navegadores só podem pedir conselhos ao médico da Vendée Globe, Jean-Yves Chauve, para procedimentos ou medicações (por isso, levam uma boa bagagem de remédios). Assim, a assistência médica só pode ser realizada com conselhos à distância, e uma intervenção direta de um médico (subir a bordo) é expressamente proibida. Em caso de emergência, entretanto, um concorrente pode ser autorizado a receber medicamentos de um terceiro.
Veleiros e comandantes
Os veleiros que disputarão a nona edição da Vendée Globe, em novembro próximo, são os monocascos de classe IMOCA (definida pela International Monohull Open Class Association), projetados e construídos para um só tripulante. Medem 60 pés (18,28 m) de comprimento e 4,50 m de boca. Têm grande área vélica, podendo superar os 30 nós (55,5 km/h) sob condições ideais. A grande novidade para a Vendée Globe 2020/21 é o uso de hidrofólios, capazes de levantar os cascos para superar o arrasto das águas (em 2016/17 poucos utilizaram).
Já foram confirmadas as inscrições: serão 33 barcos e navegadores para a Vendée Globe 2020/21 (recorde de participação). Desse número de participantes, 27 homens e nada menos que seis mulheres. Por nacionalidade e sexo, serão 20 franceses, 1 espanhol, 1 alemão, 1 inglês, 1 italiano, 1 sueco, 1 japonês e 1 suíço; 2 inglesas, 1 alemã-francesa (dupla nacionalidade) e 3 francesas.
Os favoritos para a vitória (claro que quebras, capotagens e outros eventos podem mudar as previsões) são o inglês Alex Thomson em sua quinta tentativa (ficou em 2º lugar na última Vendée Globe) com seu veleiro Hugo Boss, e o francês Jérémie Beyou, com o barco Chara (vencedor da última regata oceânica dos IMOCA), além de outro francês, Charlie Dalin e seu Apivia (veleiro vencedor da última Transat Jacques Vabre, realizada neste ano).
O troféu da Vendée Globe é uma peça de arte em bronze, desenhado pelo artista Philippe Macheret, com sessenta centímetros de circunferência e pesando dez quilos. Teremos a largada da nona Vendée Globe, prevista para 8 de novembro de 2020 às 13h02, em Les Sables d’Olonne. Quem levantará o troféu? Como será o decorrer da regata? Acompanhe aqui pelo site Minuto Náutico a cobertura completa, com análise semanal das estratégias e desempenho dos participantes (estaremos presentes ainda na versão virtual da regata).
Os inscritos na Vendée Globe 2020/21
Velejador(a) - nome do barco
Da França
Manuel Cousin - Groupe Sétin - 1ª participação
Fabrice Amedeo - Newrest - Art&Fenêtres - 2ª participação
Alexia Barrier – 4 My Planet - 1ª participação
Romain Attanasio - Pure-Best Western - 2ª participação
Yannick Bestaven (Maître Coq IV) - 2ª participação
Arnaud Boissières - La Mie Câline-Artisans Artipôle - 4ª participação
Jérémie Beyou - Charal - 4ª participação (venceu a última regata da IMOCA, Vendée Arctique-Les-Sables d'Olonne, é um favorito)
Louis Burton - Bureau Vallée 2 - 3ª participação (adquiriu o Banque Populaire VIII, barco vencedor da última Vendée Globe com Armel Le Cléac’h em 2016/17)
Clarisse Cremer - Banque Populaire X - 1ª participação
Charlie Dalin - Apivia - 1ª participação
Sébastien Destremau - Merci - 2ª participação
Benjamin Dutreux - Water Family - 1ª participação
Kevin Escoffier - PRB - 1ª participação
Clément Giraud - Vers un Monde sans Sida - 1ª participação
Jean Le Cam - Yes We Cam! - 5ª participação
Stéphane Le Diraison - Time for Oceans - 2ª participação
Miranda Merron - Campagne de France - 1ª participação
Thomas Ruyant - Linkdout - 2ª participação
Damien Seguin - Groupe Apicil - 1ª participação
Sébastien Simon - Arkea-PAPREC - 1ª participação
Maxime Sorel - V and B-Mayenne - 1ª participação
Armel Tripon - L'Occitane en Provence - 1ª participação
Nicolas Troussel - Corum L'Epargne - 1ª tentativa
De outros países
Isabelle Joschke (dupla nacionalidade - alemã/francesa) - MACSF - 1ª participação
Boris Herrmann (alemão) - SeaExplorer-Yacht Club de Monaco - 1ª participação
Didac Costa (espanhol) - One Planet OneOcean - 2ª participação
Alex Thomson (inglês) - Hugo Boss - 5a. participação (2º lugar na edição 2016/17 e um dos mais fortes concorrentes)
Samantha Davies (inglesa) - Initiatives Cœur - 3ª participação (4º lugar na edição 2008/09)
Pip Hare (inglesa) - Medallia - 1ª participação
Giancarlo Pedote (italiano) - PrysmianGroup - 1ª participação
Kojiro Shiraishi (japonês) – DMG Mori - 2ª participação
Ari Huusela (sueco) - Stark - 1ª participação
Alan Roura (suíço) - La Fabrique - 2ª participação