Vem aí
Sam Goodchild, um dos favoritos na 10ª Vendée Globe. Foto: © Pierre Bouras
Sozinhos
pelo mundo
Por Roberto Negraes
Vai começar a Vendée Globe, mais famosa regata volta ao mundo em solitário
“Everest dos Mares”, assim é chamada a mais famosa regata de volta ao mundo em solitário, a Vendée Globe, cuja 10ª edição terá início no próximo dia 10 de novembro. Na disputa, 40 participantes e seus respectivos barcos, número recorde, que inclui de experientes velejadores e campeões de navegação offshore até iniciantes, como a francesa Violette Dorange, de apenas 23 anos de idade.
Serão 34 homens e seis mulheres sozinhos com seus barcos numa disputa impossível de prever, embora os favoritos sejam Charles Dalin (França), Jérémie Beyout (França), Thomas Ruyant (França), Boris Herrman (Alemanha), Sam Goodchild (Inglaterra), Yoan Richome (França), Yannick Bestaven (França, vencedor do evento anterior), Samantha Davies (Inglaterra) e Louis Burton (França).
A Vendée Globe é a mais importante regata a vela do mundo em navegação solitária, sem escalas e sem assistência. Disputada em veleiros da classe Imoca, de 60 pés (18 m), tem a largada no porto francês de Les Sables d’Olonne, na província de Vendée. O trajeto soma 24,3 mil milhas (45 mil km), passando pelos três grandes cabos: Boa Esperança (sul da África), Leeuwin (sul da Austrália) e Horn (sul da América do Sul). A propósito, o tempo recorde pertence ao skipper francês Armel L’Cléach, com 74 dias e três horas, tempo obtido na oitava edição da regata, de 2016-17.
Skippers inscritos na icônica regata de volta ao mundo em solitário e sem assistência em 2024, que larga no dia 10 de novembro, em Les Sables d’Olonne, França. Foto: © Vincent Curutchet - Alea - VG24
História
Em 1988, após ter vencido por duas vezes a BOC Challenge (volta ao mundo em solitário, mas com escalas), o navegador Philippe Jeantot apresentou a ideia de uma nova regata ao redor do globo, mas sem escalas! Assim nasceu a Vendée Globe. No dia 26 de novembro de 1989, 13 velejadores deram início à primeira edição, que durou mais de três meses. E apenas sete regressaram a Les Sables d’Olonne.
Nas nove edições realizadas até hoje, um total de 200 competidores partiram. Somente 114 deles conseguiram cruzar a linha de chegada, o que mostra a extrema dificuldade desta corrida global, em que os navegadores enfrentam o frio congelante, as ondas enormes e os céus carregados dos Mares do Sul, localizados abaixo dos 40 graus de latitude Sul!
Para limitar o risco de encontros com icebergs, a direção de regata estabeleceu uma zona proibida à navegação, a Zona de Exclusão Antártica (AEZ), que circunda a Antártica entre os 45°S do lado das Ilhas Crozet e os 68°S do Cabo Horn.
O tempo recorde da Vendée Globe pertence a Armel Le Cléac'h, que completou a volta ao mundo em 74 dias, 3 horas e 35 minutos, em 2017
O longo caminho para casa
Se contornar o Cabo Horn após 50 dias no mar reduz drasticamente o estresse da possibilidade de quebra do barco e marca o aumento das temperaturas, as restantes 7 mil milhas (13 mil km) até Les Sables d'Olonne não são das mais simples, especialmente se outros concorrentes estiverem próximos! Depois de passar pela Patagônia, ainda há o anticiclone de Santa Helena para evitar durante a negociação com depressões tempestuosas vindas do Brasil. Brisas adversas e irregulares, ventos fortes, frentes a atravessar, a Vendée Globe está longe de ser um passeio fácil...
Solo
Esta é uma corrida individual e ninguém além do skipper pode embarcar no veleiro, exceto quando um competidor é resgatado. Na edição anterior (2020-21), houve o resgate do francês Kévin Escoffier (quando o barco dele quebrou no meio e afundou em minutos) pelo também francês Jean Le Cam, mas isso já aconteceu outras vezes na história da Vendée Globe. O próprio Le Cam foi resgatado por Vincent Riou, depois que seu barco virou, no Cabo Horn, em 2009.
Sem parar
A única assistência permitida a um competidor da Vendée Globe é se ele retornar a Les Sables d’Olonne logo após a largada, o que significa que perder muito tempo. Foi exatamente o que fez Michel Desjoyeaux, em 2008. Detalhe: ele partiu novamente 40 horas após a largada geral, mas acabou vencendo a corrida. Os capitães podem parar, ancorando numa enseada, por exemplo, mas não são autorizados a desembarcar além da marca da maré alta. Yves Parlier aproveitou essa possibilidade numa reparação que ficou muito famosa na corrida de 2000.
Sem assistência
Na Vendée Globe, o velejador está realmente só. O roteamento é estritamente proibido. Os skippers têm que orientar-se sozinhos, reparar os danos no barco com o que têm a bordo (podem consultar os projetistas ou a sua equipe técnica sobre como realizar um reparo) e cuidar de si próprios quando estão feridos ou doentes —neste caso, têm o direito de consultar o médico da regata, Jean-Yves Chauve.
O barco Imoca
Todos os barcos da Vendée Globe seguem as regras de construção estabelecidas pela classe Imoca (International Monohull Open Class Association), fundada em 1991 e apoiada pela World Sailing, a Federação Internacional de Vela. As últimas atualizações datam de abril de 2021.
O casco mede 18,28 m de comprimento (60 pés) e o calado é de 4,50 m. A regra exige que o sistema de quilha, mastreação e velas sejam comuns a todos os barcos. O resto fica por conta dos projetistas. As regras indicam também o volume máximo dos hidrofólios: 8 m3. Esses apêndices permitem que o casco seja “sustentado” ao navegar contra o vento, reduzem o arrasto (fricção com a água) e melhoram o desempenho, levando os Imoca a “voar”.
Com uma grande área vélica, são os monocascos mais potentes do planeta tripulados por uma única pessoa. Os Imoca podem atingir a velocidade de 40 nós (74 km/h) com vento a favor.
Quem quiser sentir um gostinho de como é essa grande disputa pelos mares, pode participar da sua versão game, pela Virtual Regatta, que, na Vendée Globe de 2020, teve mais de 1 milhão de e-skippers.