Troféu Jules Verne
Um gigante
correndo pelo recorde
Por Roberto Negraes
O trimarã SVR-Lazartigue, de 32 m, partiu em busca do recorde de circum-navegação a vela—seu rival Sodebo Ultim 3 deve segui-lo em breve
À 1h18min38s de quinta-feira, 19 de dezembro, o multicasco francês SVR-Lazartigue deu início à tentativa de quebra do recorde de circum-navegação a vela sem escalas e, assim, conquistar o Troféu Jules Verne. Esta é sua segunda empreitada com esse mesmo objetivo neste ano. A primeira aconteceu em 29 de novembro, quando, após 20 dias de espera pelas condições ideais, o SVR-Lazartigue, comandado por François Gabart, e seu rival Sodebo Ultim 3 (outro barco francês, de Thomas Coville), largaram com poucas horas de diferença.
Entretanto, ambos —que são veleiros da classe Ultim, trimarãs gigantes de 32 metros de comprimento e 23 metros de boca— retornaram ao porto pouco dias depois, com quebras importantes que ocorreram também com horas de diferença ao longo do dia 3. O Lazartigue sofreu danos em um hidrofólio, enquanto o Sodebo Ultim 3 reportou avarias no leme central.
Desta vez, o Sodebo deve partir com uma defasagem maior. Enquanto o Lazartigue descia rapidamente o Atlântico, já na altura da costa de Portugal (acompanhe o SVR-Lazartigue aqui), o Sodebo Ultim 3 anunciava que sua largada era esperada para a noite do dia 20 para 21, ou seja, cerca de 48 horas depois, o que, para efeito do troféu não deve fazer diferença, já que a finalidade não é chegar antes, mas em tempo menor que o recorde atual, estabelecido em 2017 pelo navegador francês Francis Joyon, com seu maxitrimarã IDEC Sport, que realizou a volta ao mundo 40 dias, 23 horas, 30 minutos e 30 segundos, com média de velocidade de 26,8 nós (49,6 km/h)!
O grande Júlio Verne, escritor que previu tantas façanhas humanas, dificilmente acreditaria que um veleiro faria a volta ao mundo em metade dos 80 dias descritos em seu livro. Para quebrar o recorde do IDEC Sport, o SVR-Lazartigue precisará retornar antes da 0h49min8s do dia 29 de janeiro.
As regras do Troféu Jules Verne são simples e não fazem restrição ao tipo de veleiro, apenas que seja impulsionado “pela única força do vento e pela tripulação, e todos os tipos de energia não propulsiva serão autorizados”. O número de tripulantes também é livre. O capitão oficial do barco, no entanto, deve ser um membro da associação Tour du Monde en 80 Jours. O troféu é único e é concedido ao desafiante que estabelece ou melhora o recorde de circum-navegação do mundo a vela em menos de 80 dias.
O pretendente ao troféu deve partir da linha virtual definida entre o farol de Créac'h na ilha de Ouessant (França) e o farol do Cabo Lizard (Inglaterra); dar a volta ao mundo deixando por bombordo os Cabos da Boa Esperança (África do Sul), Leeuwin (Austrália) e Horn (Chile); e terminar na mesma linha de onde partiu, na direção oposta.
A Tentativa
Uma tentativa do Troféu Jules Verne ocorre quando um pretendente cruza a linha de partida entre 1º de agosto de um ano e 31 de julho do ano seguinte. Nesse período, ele pode passar a linha de partida quantas vezes desejar para fazer o que se chama “Tentativa de Ano”, que é considerada realizada quando o concorrente corta a linha de chegada, ao fim da rota de circum-navegação.
Embora nenhuma assistência externa seja permitida, as tripulações podem ter auxílio em terra para a navegação, monitorando o clima, a posição do gelo e possíveis estratégias de rota. A equipe de terra do Sodebo Ultim 3 é liderada por Philippe Legros e Simon Fisher, e a do SVR-Lazartigue, por Jean-Yves Bernot.
O SVR-Lazartigue navega com cinco homens e uma mulher: o skipper François Gabart, Tom Laperche, Pascal Bidégorry, Émilien Lavigne, Antoine Gautier e Amélie Grassi. Já o Sodebo Ultim 3 está com sete tripulantes. São eles o skipper Thomas Coville e equipe formada por Frédéric Denis, Pierre Leboucher, Léonard Legrand, Guillaume Pirouelle, Benjamin Schwartz e Nicolas Troussel.
História
A ideia do Troféu Jules Verne foi proposta pelo navegador francês Yves Le Cornec em 1985, mas sua criação efetivou-se mesmo em 1990, quando dois vencedores de grandes regatas naquele ano, ambos também franceses, levaram o plano adiante: Florence Arthaud (primeira mulher a ganhar a Rota do Rum) e Titouan Lamazou (Vendée Globe).
No ano seguinte, um comitê formado por nomes de referência da vela (Peter Blake, Titouan Lamazou, Bruno Peyron, Florence Arthaud, sir Robin Knox-Johnston, Jean François Coste, Yvon Falconnier, Gabie Guilly, Yves Le Cornec, Olivier de Kersauson e Didier Ragot) definiu as regras do Troféu. Em 29 de janeiro de 1991, uma organização sem fins lucrativos foi criada para dar suporte ao evento, e, assim, nasceu o Troféu Jules Verne, um dos mais ambicionados no mundo da vela.
Veleiros e skippers recordistas do Troféu Jules Verne:
1993 - Commodore Explorer (catamarã), com Bruno Peyron: 79 dias, 6h15min56s
1994 - ENZA New Zeland (catamarã), com Peter Blake e Robin Knox-Johnston: 74 dias, 22h17min22s
1997 - Sport-Elec (trimarã), com Olivier de Kersauson: 71 dias, 14h22min8s
2002 - Orange (catamarã), com Bruno Peyron: 64 dias, 8h37min24s
2004 - Geronimo (trimarã), com Olivier de Kersauson: 63 dias, 13h59min46s
2005 - Orange II (catamarã), com Bruno Peyron: 50 dias, 16h20min4s
2010 - Groupama 3 (trimarã), com Frank Cammas: 48 dias, 7h44min52s
2012 - Banque Populaire V (trimarã), com Loïck Peyron: 45 dias, 13h42min53s
2017 - IDEC Sport (trimarã), com Francis Joyon (recordista atual): 40 dias, 23h30min30s