New York-Vendée 2024

Tela da regata virtual, com dados do barco X CMIYC, do Roberto Negraes

Volta ao mundo

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Por Roberto Negraes

As emoções de competir na água e na tela do computador

O velejador francês Charlie Dalin (Macif Santé Prévoyance) venceu a regata New York – Vendée 2024, com o alemão Boris Herrmann (Malizia) em segundo e o também francês Jérémie Beyou (Charal) completando o pódio.

Os primeiros barcos Imoca reais e virtuais já chegaram a Les Sables d’Olonne, depois de uma competição transatlântica histórica, na qual poucos conseguiram superar um teimoso sistema de alta pressão que se deslocava junto com a flotilha.
A situação foi muito complexa para os 28 comandantes que participaram com seus veleiros reais nesta New York ̶̶Vendée, que teve início no dia 29 de maio. A flotilha esteve na luta contra condições muito instáveis praticamente em toda a extensão do Atlântico Norte em razão do tal centro de alta pressão, e foi, inclusive, alcançada por tempestades críticas. O Imoca do francês Manuel Cousin (Coup de Pouce), por exemplo, foi atingido por um raio, e fortes trombas d'água passaram muito próximas de outros barcos.

Participando da New York ̶̶Vendée virtual com meu veleiro X CMIYC, já no terceiro dia eu tinha a percepção de que as condições de navegação estavam mais difíceis do que em outras travessias do Atlântico, e até estranhas. Ventos inconstantes continuavam a surgir, difícil não se ver obrigado a mudar de rota a cada atualização meteorológica. Quando surgia uma previsão melhor para uma rota sul, horas depois vinha nova atualização com a melhor opção de volta para o norte; nova atualização, e novamente o sul. Estava muito complicada a navegação.

A alta pressão se deslocava para leste ao mesmo ritmo que a flotilha. Os dois veleiros líderes – o Macif Santé Prévoyance de Charlie Dalin e o Malizia SeaExplorer de Boris Herrmann – conseguiram avançar o suficiente para leste no fim de semana. Estes foram os únicos dos barcos reais a superar essa alta pressão para se adiantar em ventos favoráveis, abrindo uma vantagem de centenas de milhas sobre os demais até o fim da regata.

Como divulgado pela organização no quinto dia desta New York–Vendée, “nas regatas oceânicas, nada está completamente decidido até que a linha de chegada seja cruzada, mas... neste quinto dia de corrida, parece que os deuses Éolo e Netuno escolheram seus vencedores já na manhã de ontem!”. Os organizadores estavam de olho no Malizia Seaexplorer e no Macif Santé Prévoyance, que foram “autorizados” a passar por uma espécie de barreira de pedágio, materializada por uma vasta frente ativa, antes de considerarem as referências dos demais 26 competidores.

O inglês Sam Goodchild, skipper do Vulnerable, foi um dos que não conseguiram avançar sobre a alta pressão: “As previsões mudam a cada doze horas e nunca conseguimos o que foi previsto. A Corrente do Golfo não nos permitiu avançar tanto quanto esperávamos e seguir a nossa rota. Não conseguimos juntar-nos ao Dalin e ao Herrmann. Foi difícil até de escolher as velas certas”.

Uma quebra de mastro

Enfim, as condições climáticas no Atlântico Norte começaram a se estabilizar, e com isso os skippers começaram a estabelecer rotas concisas. Na versão virtual, decidi que o X CMIYC (Catch Me If You Can) deveria ir para o norte a partir do quarto dia, abandonando a 6º posição do ranking daquele momento. Não me arrependi: se tivesse continuado naquela rota, teria terminado como 150º no ranking ou pior.

Pela manhã, às 5h15, o veleiro Vulnerable de Sam Goodchild teve o mastro quebrado quando estava a 150 milhas do arquipélago dos Açores. Goodchild é o atual líder do campeonato Imoca, e não completar esta regata pode lhe trazer a perda dessa posição.

300 milhas na frente
Na noite de sábado, 9 de junho, Charlie Dalin chegou a Les Sables d’Olonne, vencendo a regata com vantagem de 300 milhas (555 km) sobre o segundo colocado, Boris Herrmann, que completou o percurso só na madrugada de domingo.

Enquanto isso, finalmente consigo dar um bordo agora direto para Les Sables, quando estava perto da Groenlândia! Vento pela alheta de bombordo, ideal para a concepção do projeto dos Imoca. Assim, meu X CMIYC, que na manhã deste meu oitavo dia de regata, às 6 h, estivera em 16.000º lugar na classificação da regata virtual, no fim da tarde já deixara oito mil barcos para trás, subindo para 7.990º.

A tática de navegar radicalmente pelo norte deu certo para um pequeno grupo (eu, inclusive), superando os mais de 24 mil barcos virtuais que disputam esta New York–Vendée. Devo terminar na próxima madrugada, e atualmente meu X CMIYC está em 84º na classificação  ̶̶  será a sétima regata seguida que termino entre os “top 100”. Conseguir isso numa regata extremamente difícil (inclusive para os veleiros oficiais), deixou-me bastante satisfeito. Pouco à frente, outro brasileiro, o RudneyJr, está indo muito bem. Velho conhecido, já participamos até em dupla há alguns anos, é um dos bons nomes nacionais das regatas virtuais offshore.

Entrevistas com os líderes

Na vela real, Boris Herrmann deu uma entrevista bem animado, como era de esperar. Na regata Transat CIC, de ida a Nova York, terminou em segundo lugar, e repetiu o feito nesta competição de retorno. Ele navegou tão ao norte que chegou a estar a menos de 300 milhas da Groenlândia! Com seu desempenho, o alemão já está sendo citado como um dos favoritos para a Vendée Globe 2024-25, que terá início em novembro próximo.

Charlie Dalin reconheceu que "o pódio está muito mais difícil de conseguir do que há quatro ou até dois anos atrás (na Transat CIC ele terminou em quarto lugar, ou seja, duas posições atrás de Boris Herrmann). Dalin explicou que nos últimos anos apareciam no pódio quase sempre apenas três velejadores: ele mesmo, Jérémie Beyou e Thomas Ruyant  ̶ aliás, todos franceses. “Agora, isso mudou, com vários competidores crescendo muito em desempenho, como Boris Herrmann, Sam Goodchild, Samantha Davies, Yoann Richomme, entre outros”.