As mulheres na Vendée Globe 2020-21
Mulheres que correm
com o vento
Por Roberto Negraes
Seis mulheres e o sonho de participar (e vencer, por que não?) da Vendée Globe 2020-21
Na edição anterior da Vendée Globe (em 2016-17), nenhuma mulher esteve presente. Em compensação, para este ano, elas são nada menos que seis participantes — e algumas com chances de chegar ao pódio. Atenção, principalmente em Sam Davies (terceira vez na Vendée Globe, com uma quarta colocação em 2008-2009. São elas: Alexia Barrier (4myPlanet); Clarisse Clemer (Banque Populaire X); Isabelle Joschke (Macif); Miranda Merron (Campagne de France); Pip Hare (Medallia); Samantha (Sam) Davies (Initiatives Coeur).
Alexia Barrier - TSE 4myPlanet
Para participar da VendéeGlobe, Alexia Barrier contou com sua determinação para conseguir reunir um grupo de empresas, instituições e pessoas para comprar, em fevereiro de 2018, o veleiro Le Pingouin, o IMOCA utilizado por Catherine Chabaud na Vendée Globe de 2000 (que tornou Catherine conhecida como a primeira mulher a completar a volta ao mundo sem escalas). Para aprimorar seu conhecimento de navegação, Alexia participou de todos os eventos da IMOCA Global Series, sem faltar a nenhuma, o que a tornou a competidora com maior número de milhas percorridas.
Com 40 anos de idade, é uma lutadora por causas como a preservação dos oceanos e organiza eventos beneficentes. Participa de competições de triátlon para manter uma boa forma física.
Seu barco, rebatizado como 4myPlanet, é um veterano de sete voltas ao mundo e cinco participações na Vendée Globe. Apesar de ser em sua origem um dos mais antigos em termos de construção, por outro lado é um dos mais confiáveis e robustos — e foi o vencedor da Velux Five Oceans (regata de volta do mundo) em 2010-11. Um veleiro ideal para conquistar os mares do Sul e realizar a grande aventura da Vendée Globe.
Clarisse Cremer - Banque Populaire X
Clarisse Cremer começou velejando de modo amador, durante feriados, entre a costa francesa da Bretanha e o Canal da Mancha. Na verdade, poderia estar dando a volta ao mundo mais a negócios, em voos comerciais, do que competindo num veleiro. Isso porque é formada em administração de empresas em uma universidade americana e na HEC Paris (Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris, o segundo curso universitário de administração mais conceituado do mundo, perdendo apenas para Harvard). Contudo, mesmo durante seus estudos, sonhava em navegar pelo oceano.
Ao se formar, criou, junto com seu irmão, um negócio de viagens de aventura na Internet. Fez curso de regatas com bons professores de iatismo. Graças ao seu conhecimento de marketing, logo estava participando na Mini-Transat 2017, o primeiro desafio, e provando ser tão boa em vela como em negócios, terminou em segundo lugar logo em sua estreia. Passou para a classe Figaro, e assim foi evoluindo, até chegar ao IMOCA.
O diretor do Banque Populaire, Ronan Lucas, gostou do perfil de Clarisse e da possibilidade de compra do IMOCA SMA, vencedor da Transat 2012-13 com François Gabart, então com as cores da Macif. Esse barco venceu ainda duas vezes a Route du Rhum, inclusive recentemente, em 2018. Assim, o aprendizado de Clarisse a leva ao desafio de, com apenas 30 anos de idade, conduzir o veleiro campeão, agora batizado com o nome de um dos patrocinadores mais conhecidos da vela francesa, Banque Populaire X, entre os favoritos para a Vendée Globe 2020-21.
Isabelle Joschke - MACSF
Esta velejadora, de dupla cidadania (francesa e inglesa) e 43 anos de idade, participa de competições desde 2005. Além da vela, gosta de esportes em geral. Começou disputando o circuito Mini, e como se sai melhor em regatas longas, convenceu seu patrocinador a entrar no circuito Figaro, isso depois de conseguir vários pódios e vencer uma etapa da Mini-Transat. Aprendeu a competir em solitário. Em 2016, passou para a Classe 40, onde demonstrou sua extrema aptidão para competir de igual para igual com os melhores. Logo estava correndo nas Transats, e sua paixão pelo mar aberto a levou a levar adiante seu projeto IMOCA e competir na Vendée Globe 2020.
Seu veleiro IMOCA marcou uma nova época na história da Vendée Globe. Construído em 2007 por Marc Guillemot com projeto Verdier-VPLP, o Safran contrastou com o padrões da época, destacando-se pela velocidade. Desde então, os novos projetos passaram a incorporar as inovações do Safran (rebatizado como MACSF). Isabelle Joschke adicionou hidrofólios ao casco para esta edição da Vendée Globe, e contando com o apoio e conselhos do experiente navegador francês Alain Gautier, espera conseguir um bom desempenho no grande desafio da volta ao mundo sem escalas.
Miranda Merron - Campagne de France
Aos 51 anos de idade, Miranda começou sua experiência no mar com apenas 9 anos, numa travessia do Atlântico com o barco da família. E não foi a única vez. Ao longo dos anos, ela progressivamente lapidou seu conhecimento do mar e a capacidade de análise, o que abriu caminho para se tornar uma navegadora. E há quinze anos deixou uma carreira publicitária promissora para se dedicar exclusivamente a regatas offshore.
Participou de várias equipes de vela, inclusive como tripulante no Troféu Julio Verne (de tentativa de recorde da volta ao mundo). Depois entrou no circuito da Classe 40, com seu companheiro, Halvard Mabire (este participou de cinco regatas Whitbread ao redor do mundo, entre outras). O sucesso da parceria do casal em regatas motivou o patrocinador Campagne de France a abraçar o projeto da Vendée Globe. Apesar de ela participar sozinha desta regata, Halvard esteve sempre presente ao seu lado.
O veleiro com o qual competirá, o Campagne de France, é um barco seguro e clássico construído na Nova Zelândia em 2006, com quatro voltas ao mundo completadas (duas Vendée Globe e duas Barcelona World Races). Em 2014 foi atingido por um raio, e depois disso passou por um programa completo de renovação. Em posse de Miranda Merron e Halvard, ambos extremamente detalhistas e exigentes em equipamentos, sem dúvida deve estar bem preparado para esta Vendée.
Pip Hare - Medallia
Pip Hare passou a velejar em solitário somente aos 35 anos de idade. Não que ela não tivesse navegado antes — já tinha uma carreira de 15 anos como velejadora profissional. Esta skipper britânica, atualmente com 46 anos de idade, já navegou dezenas de milhares de milhas, incluindo duas Mini-Transat e uma Transat Jacques Vabre. Aos poucos, inspirada pelos livros de Isabelle Autissier, foi alimentando seu projeto para disputar a Vendée Globe. Chegou a hora desta aventureira e navegadora realizar seu sonho.
Sem recursos para competir na Vendée Globe, ela arriscou suas todas as suas economias no projeto para alugar um barco e tornar sua campanha uma realidade. Aos poucos, conseguiu suporte do porto de Poole e outros pequenos patrocinadores que a ajudaram na busca de um patrocinador definitivo. Pip Hare sabe que não pode confrontar os barcos rivais equipados com hidrofólios e orçamentos de milhões de euros. Mas sua luta para vencer as dificuldades e realizar seu sonho de volta ao mundo na Vendée Globe é o suficiente para torna-la feliz e sem dúvida irá conquistar a simpatia do público ao longo de sua jornada.
Seu barco foi construído num pequeno porto de pesca, mas já conseguiu dar a volta ao mundo quatro vezes com Bernard Stamm, com duas vitórias (regatas de circum-navegação Around Alone e Barcelona World Race). Este monocasco provou ser um barco ideal para uma navegação segura, assim Pip Hare tem em mãos tudo para conduzi-la a uma quinta volta ao mundo.
Samantha Davies (Sam) - Initiatives-Coeur
Em sua terceira participação na Vendée Globe, esta inglesa de 46 anos de idade, verdadeiro ícone da vela de oceano, destaca-se como uma das favoritas nesta edição, graças ao seu desempenho nas regatas IMOCA e sua quarta colocação na Vendée Globe 2008-09. Infelizmente a sua participação em 2012-13 terminou cedo, com seu veleiro perdendo o mastro. Mas desde a façanha da também inglesa Lady Ellen MacArthur, ao conquistar o segundo lugar na Vendée Globe de 2000-2001, não se tem uma representante feminina tão cotada.
Ainda neste ano de 2020, terminou em quarto lugar a Vendée Arctique Les Sables d’Olonne, com excelente desempenho do início ao final. Desde 2012, Sam não parou de competir e aprender, participando da Volvo Ocean Race como tripulante, velejando em barcos liderados pelos melhores skippers, ganhando, sistematicamente, posições no pódio. Ao mesmo tempo, vem criando seu filho Ruben, nascido de seu relacionamento com outro navegador, o francês Romain Attanasio, o qual competiu na Vendée Globe 2016-17. Neste ano, o casal estará presente na Vendée Globe, cada qual com seu barco (é a primeira vez que isso acontece, uma família competindo). Será que teremos para o futuro uma Vendée Globe com participação de mãe, pai e filho?
O veleiro IMOCA denominado Initiatives-Coeur de Sam Davies tem um currículo forte: com o nome de Banque Populaire, foi o segundo colocado na Vendée Globe 2012-13 com Armel L’Cléac’h. Em 2016-17, recebeu o nome de Maître-Coq e Jérémie Beyou o levou ao terceiro lugar. Desenvolvido em 2010, estará este veleiro ultrapassado para ganhar um pódio novamente? Especialistas não acreditam nisso, pois os novos regulamentos, de algum modo, ajudaram os barcos de construção anterior a continuarem competitivos contra os de última geração. Com certeza, Sam estará bem equipada para este desafio.