A Copa continua onde está

Fotos: © ACE | Studio Borlenghi

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Classe AC75

a grande estrela da 36ª Copa América

Por Roberto Negraes (colaborou Regina Hatakeyama)

Ultraveloz, o novo barco utilizado nas disputas da 36ª America’s Cup permitiu regatas emocionantes e mais rápidas, e já foi o escolhido para a próxima edição dessa competição, que acaba de ser anunciada

Depois de alguns anos com multicascos dominando a cena do mais antigo e tradicional troféu esportivo do mundo (disputado pela primeira vez em 1851), a vitória dos neozelandeses sobre os americanos em 2017 abriu as portas para um teórico retorno às origens: novamente seriam monocascos a disputar a prestigiosa regata. Contudo, poucos esperavam um projeto tão revolucionário, desenvolvido em acordo entre as equipes Emirates Team New Zeland (defensor) e a Luna Rossa Prada Pirelli (desafiante). Tão radical a ponto dos barcos se tornarem a principal estrela depois de 170 anos de disputa, ganhando maior destaque do que os seus navegadores.

Na Copa Prada, seletiva para as equipes de diferentes nacionalidades inscritas para a Copa América, aconteceram as primeiras disputas emocionantes com os barcos voadores (literalmente) atingindo mais de 50 nós em alguns momentos, e em geral navegando a velocidades até três vezes mais rápidas que os ventos que os impulsionavam!

Nem mesmo as equipes participantes (americanos, ingleses e italianos, além dos kiwis) esperavam tal desempenho na estreia dos AC75 — agora conhecidos como the flying boats. Vencida finalmente pelo veleiro italiano Luna Rossa, a Copa Prada, apesar do radicalismo do design, trouxe um retorno a um estilo mais tradicional do iatismo, não apenas pelos barcos serem monocascos, como também com as regatas (match races) serem disputadas com largadas contra o vento em percursos barlavento-sotavento.

Durante a conferência de imprensa que antecedeu a disputa final de Copa América entre neozelandeses e italianos, tanto Peter Burling (Emirates Team New Zeland) quanto Max Sirena (Luna Rossa Prada Pirelli), destacaram como surpreendente o desempenho dos AC75. Para Peter Burling, “Estes veleiros eram apenas um conceito há três anos e de repente excederam as expectativas de todos sobre o que poderiam fazer,principalmente quanto à velocidade que atingiram nas raias”. Opinião compartilhada por Max Sirena: “Os barcos definitivamente são muito mais velozes, e o ciclo da disputa pela taça passou por um verdadeiro salto quântico. No entanto, isso acontece com um retorno ao estilo da velha escola de disputas entre veleiros, o que torna esta Copa América ainda mais emocionante”.

Quando o barco defensor Te Rehutai e o desafiante Luna Rossa se alinharam para os dois match races iniciais, no dia 10 de março, era certo que nenhuma das equipes sentia-se segura em ser apontada como favorita nesta 36ª Copa América — impossível prever como terminaria a série de 13 regatas.

Não é possível relevar a importância e o significado da disputa entre defensor e desafiante no primeiro dia de competição em qualquer Copa América. E nesta edição, nenhuma das equipes decepcionou. O defensor, o Emirates Team New Zealand, e o desafiante Luna Rossa Prada Pirelli, terminaram empatados, com um ponto cada, após as duas regatas inaugurais. E o desempenho muito próximo e equilibrado entre os dois barcos confirmou que não há espaço para erros. Os dois primeiros duelos foram empolgantes do início ao fim, indicando que seria uma dura disputa até um deles completar a sétima vitória, como 170 anos de história ensinaram. O jogo estava longe de terminar.

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O segundo dia comprovou a igualdade de condições entre barcos e equipes. Quem largou na frente, levou vantagem. Na primeira regata (terceira da série), a equipe Luna Rossa Prada Pirelli largou muito bem, obrigando o Emirates Team New Zeland a seguir em sua esteira — e assim terminou. Na segunda regata do dia, quem saiu melhor foram os kiwis (neozelandeses), e mais uma vez deram o troco aos italianos. Com isto, depois de dois dias e quatro regatas, nada estava definido, sem nenhuma equipe demonstrar superioridade suficiente para se tornar favorita. Com 2 a 2, a expectativa aumentava.

As corridas do terceiro dia repetiram o que se viu nos dias anteriores, com as largadas mostrando-se cruciais para o resultado final. Os ventos fracos, entre 8 e 9 nós (o mínimo exigido para a realização das regatas era 6,5 nós), teoricamente favoreciam os italianos. Sob ventos fracos, uma preocupação era manter o barco sobre os hidrofólios, sob pena de ficar boiando, sem impulso suficiente para retomar o voo e manter-se competitivo.

Pois foi o que aconteceu na pré-largada da primeira regata: o Emirates Team New Zealand acabou preso, lutando para voltar aos hidrofólios, enquanto os italianos partiam, indo para o lado onde havia uma brisa mais forte e logo conseguindo abrir vantagem de 250 m. Luna Rossa passou pelo primeiro e segundo portões com 32 segundos de vantagem e, embora seu oponente tenha diminuído a diferença, continuou liderando, cruzando a linha de chegada 18 segundos à frente e marcando seu terceiro ponto.

Já na corrida seguinte, um jibe ruim prejudicou o ritmo da equipe italiana na largada. Com isso, os neozelandeses cruzaram a linha com 10 nós a mais e passaram pelo primeiro portão 51 segundos à frente, a uma distância de cerca de 800 m dos italianos. E essa liderança só aumentou nas próximas montagens de boia: 1 minuto e 7 segundos, 1 minuto e 13 segundos... até a chegada, 1 minuto e 41 segundos à frente. E o terceiro dia também terminou com tudo igual, em 3 a 3.

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A falta de ventos levou ao cancelamento do quarto dia de regatas, deixando no ar a expectativa com o desenrolar dessa copa eletrizante. Quem seria o vencedor? Entre os espectadores brasileiros, a maioria demonstrava uma clara preferência por Luna Rossa, que já teve o Torben Grael na importante função de tático da equipe nas campanhas de 2000, 2003 e 2007 — e que foi comentarista da ESPN nesta Copa América. Outro motivo para torcer pelos italianos foi a presença de dois brasileiros na equipe de projetistas do Luna Rossa — Horacio Carabelli, como coordenador, e seu filho Nicolas, na análise aerodinâmica.

O quinto dia foi muito empolgante. Foi quando o empate se desfez, com duas vitórias do Emirates Team New Zealand, apesar de Luna Rossa Prada Pirelli vencer as largadas e manter a vantagem nas primeiras pernas. Luna Rossa largou na primeira regata com mais velocidade e passou 10 segundos à frente pelo portão 1, mas o Emirates Team New Zealand assumiu o comando e no portão 3, já tinha 19 segundos de vantagem, que foi aumentando até o final, e os neozelandeses chegaram 58 segundos antes dos oponentes.

Neste dia, Luna Rossa Prada Pirelli estava usando uma buja maior que do Emirates Team New Zealand, provavelmente esperando, com isso, ter vantagem nos ventos fracos. A segunda regata do dia foi enervante. Os italianos começaram bem, passando pelo portão 1 com 16 segundos de vantagem, que diminuiu depois de um jibe não muito bom. No entanto, a brisa diminuiu e o barco neozelandês caiu dos hidrofólios, levando um tempo precioso para retornar à corrida.

Luna Rossa ganhou vantagem de quase 2 km, mas que durou só até o portão 3. Os italianos acabaram indo aonde não havia nenhuma brisa e o barco caiu dos hidrofólios. Na tentativa de encontrar algum vento para colocar o Luna Rossa de volta nos hidrofólios, a tripulação ultrapassou o limite da área de regata vezes seguidas, levando punições por isso, mas a essa altura não fazia diferença.

Para piorar, a regata foi encurtada para cinco pernas. Os neozelandeses seguiam voando. Quando os italianos retomaram a corrida, estavam com mais de uma perna de desvantagem. Desta forma, o Emirates Team New Zealand marcou mais um ponto e o dia terminou com o placar em 5 a 3.

Luna Rossa começou o sexto dia de regatas na desconfortável posição de ter que vencer duas regatas seguidas sob pena de voltar pra casa mais cedo, e terminou pior ainda, mas não sem uma brava batalha. A primeira e única corrida do dia foi a mais acirrada de toda esta Copa. A partida foi equilibrada e ao longo de quatro pernas houve uma batalha de jibes e cambadas. Luna Rossa esteve à frente até o meio da segunda perna de contravento, mas aí o vento rondou, beneficiando os neozelandeses. Na perna da chegada, a distância entre os barcos era de 400 m, grande demais para os italianos superarem. Emirates Team New Zealand cortou a linha de chegada 30 segundos à frente, marcando 6 a 3, e ficando a um ponto da vitória.

A segunda regata (a décima da Copa) ficou para o dia seguinte, por conta dos ventos fracos e instáveis, e foi tensa, com Luna Rossa lutando até o fim, mas não deu. O Te Rehutai largou melhor, liderou por 7 segundos na passagem do portão 1 e foi ampliando a distância, até cruzar a chegada 46 segundos à frente do Luna Rossa. Com mais um ponto, o sétimo, os neozelandeses ganharam, pela quarta vez, a Copa América.

Apesar de um estranhamento inicial quanto aos barcos AC75, o reduzido número de equipes participantes da seletiva e o novo modo de velejar nessas máquinas voadoras, esta Copa América foi espetacular, com os barcos atingindo velocidades até quatro vezes maiores que a do vento, regatas rápidas e acontecimentos inesperados, como a capotagem da equipe American Magic na fase classificatória e as quedas dos hidrofólios de defensor e desafiante durante a Copa, fazendo aumentar a adrenalina.

Foi muito interessante ver o progresso das equipes a cada regata. Com veleiros ultravelozes e tripulações afinadas e precisas garantindo largadas e pegas emocionantes, foi um prazer assistir a esta Copa, que não por acaso foi um sucesso de público.

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A próxima Copa: desafio lançado e aceito

Nesta sexta-feira, 19 de março, dois dias após o término da 36ª Copa América, o Emirates Team New Zealand comunicou que o New Zealand Yacht Squadron, o clube que representa, aceitou o desafio para a 37ª Copa, lançado pelo Royal Yacht Squadron, da Inglaterra, representado pelo Ineos Team UK — time derrotado por Luna Rossa Prada Pirelli na final da seletiva, a Copa Prada. As datas da próxima edição serão divulgadas mais para a frente, mas as defensor e desafiante já adiantaram que o barco a ser utilizado pelos próximos dois ciclos da America’s Cup continuará sendo o AC75.