Leandro Soares da Costa (do veleiro SamoaElektra)

Aviador, Leandro Costa agora também navega virtualmente. Foto: Arquivo pessoal

Aviador, Leandro Costa agora também navega virtualmente. Foto: Arquivo pessoal

Impressões de um estreante da vela

Por Roberto Negraes*

Como um novato, pela primeira vez disputando uma regata virtual, reage aos desafios da navegação?

   Apesar de nunca ter participado de regatas, Leandro Costa, aos 52 anos de idade possui um vasto know-how em meteorologia e navegação, mas do ponto de vista dos céus: ele é aeronauta, comandante da aviação comercial, com milhares de horas de voo. Leandro, há algum tempo, passou a se interessar pelo esporte da vela. Por esse motivo, decidiu participar da Cape2Rio, em ambas as categorias, multicascos e classe 40. E explica:

   “Navegar um veleiro se assemelha muito a voar com um planador, com a diferença de que, no planador, eu diria que operamos em três dimensões, enquanto no veleiro, em duas dimensões. O próprio voo de planador é chamado por ‘voo a vela’. Creio que por isso muitos dos aviadores buscam na vela seu hobby. Eu mesmo já construí dois veleirinhos (Corsair 11 e D5) e uma prancha de stand up, gosto de pôr ‘mãos à obra’. Até hoje, só velejei de monotipos, mas a intenção é ter um veleiro de cruzeiro na aposentadoria, e felizmente minha esposa é parceira em tudo, e temos o sonho em comum”.

   Um parágrafo aqui, pessoal, deste jornalista, para explicar algo que me tocou nesta entrevista. Leandro conta que seu interesse por barcos começou pela leitura de reportagens e artigos de minha autoria, publicados em revistas especializadas. A gente nunca imagina até onde irá a influência de nosso trabalho. Durante a conversa, ficar sabendo destas escolhas terem “culpa” minha, é gratificante: “Meus primeiros conhecimentos sobre náutica vieram por teus escritos”, recorda Leandro, “na década de 80, e hoje tenho o prazer de conceder esta entrevista. É um ciclo que se fecha!”.

   Comparando a navegação aérea com a marítima, discorre Leandro sobre o seu ponto de vista:

   “Muitas das leis e regras da aviação foram baseadas na navegação marítima. As luzes de navegação, por exemplo, vermelha, verde e branca, são idênticas, as regras de ultrapassagem e prioridade idem, assim como a velocidade é considerada em nós (1 nó = 1 milha marítima). Até o uniforme do aviador é baseado nos uniformes náuticos de outrora. Contudo, minha experiência em navegação é somente a aérea de longo percurso. A qual também é afetada diretamente, mas não do mesmo modo, pela meteorologia. Por exemplo, contornar um sistema de baixa pressão pela sua direita (no hemisfério Sul) poderia teoricamente nos beneficiar num avião, mas num veleiro, é provável que o deslocamento do sistema seja mais rápido, e o barco acabe numa calmaria ou enfrentando ventos desfavoráveis.

   Aproveitando, pergunto se, na opinião de Leandro, o conhecimento dos sistemas de ventos, das altas e baixas pressões, seria uma ajuda no caso de uma regata virtual:

   “Sem dúvida”, ele responde de imediato, “mas é necessário adaptar o conhecimento para as baixas velocidades! Esta foi minha dificuldade inicial! Quando temos uma previsão meteorológica de um evento relevante, digamos, duzentas milhas à frente do avião, já temos de começar a planejar o desvio. Já num veleiro, é bem provável que esse evento se finde antes de atingi-lo. Em compensação, outros eventos meteorológicos se formarão num espaço de tempo que corresponde a meia hora de voo, traduzidos para 24 horas numa velejada. Por isso, fui inocente para as regatas virtuais, imaginando a circulação geral de ventos do Atlântico Sul como se fossem imutáveis. Mas eles mudam. E como mudam!”.

   Leandro comenta sobre a navegação virtual, com seus controles de velas e opções diversas:

   “Baseado na minha pouca experiência de prática de iatismo, achei-os coerentes com a realidade. As opções de velas disponíveis dão as diferenças esperadas, e me surpreendi com detalhes como poder contar com um casco polido ou não, dependendo de nossos créditos virtuais e/ou compra de equipamentos e melhorias”.

   Um fator interessante, observado por Leandro, participando da Cape2Rio, diz respeito a informações disponíveis na interface virtual:

   “Eu procurava dados sobre a regata real durante o evento, mas poucas fontes cobriram a regata, e eu tinha dificuldades em encontrar informações. A interface do game foi talvez a melhor fonte, pois pude acompanhar os barcos reais por ela, com os multicascos abrindo enorme diferença para os monocascos, e mesmo sobre nós, usando os multicascos virtuais da segunda largada. Tudo aparece em tempo real!”

   Assim, Leandro aprovou as regatas virtuais, considerando-as muito interessantes:

   “Como não gostar? A possibilidade de competir, num sonho de velejador, sem enorme logística, custos, disponibilidade de tempo! Apenas digo que, no mundo real, tenho mais simpatia pela vela de cruzeiro do que de regata. Mas é indiscutível que é na regata que se faz o ‘ajuste fino’ do velejador. É uma atividade viciante. Certamente continuarei a participar, vocês verão o SamoaElektra em regatas no futuro.

   Sobre a regata em si (a Cape2Rio 2020), competindo, analisa sua participação:

   “Para a primeira largada, cometi um erro de principiante, confundi o horário de largada, parti muito atrasado. Mesmo assim, estou conseguindo me manter pelo 1/3 da classificação entre mais de 30.000 competidores, isso não entusiasma, mas era minha meta. Para a segunda largada (multicascos), evitei diversos erros da primeira. Mas caí numa armadilha: entrei numa maratona como quem estivesse correndo os cem metros rasos. Atento no melhor desempenho (velocidade) e olhando a classificação, cheguei até a liderar entre todos os barcos brasileiros, cheguei a estar em 387º na classificação geral. Só que não sabia, mas estava de proa para calmarias. Perdi dias, e a meta desta segunda regata voltou a ser como da primeira, terminar no primeiro terço dos competidores (o que significa entre 10.000 e 14.000 no ranking). Aprendi que, numa regata, é preciso sacrificar a velocidade valorizando as previsões e não só o momento atual, olhando onde deve estar meu barco daqui a alguns dias, e não no momento. Aprendendo muito observando como navegam os veteranos. Estou aqui para aprender de modo teórico como navegar melhor no modo prático”.

Nosso velejador virtual

 
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Foto: Arquivo pessoal

*Roberto Negraes é jornalista especializado em náutica e navegação, um dos pioneiros do setor. Em sua primeira participação numa regata virtual, conseguiu um 8º lugar numa das etapas da Volvo Ocean Race de 2008-09. Depois disso, passou a praticar e tornou-se o melhor brasileiro e participante do continente americano durante anos, vencendo etapas de regatas internacionais como a Velux Five Oceans em 2010, vencendo na categoria SO (sem equipamentos extras) uma Solitaire du Figaro, 2º lugar na Cap-Istambul de 2010, e terminando entre os Top 10 em 16 grandes eventos internacionais. Na Volvo Ocean Race de 2011-12, esteve em 2º lugar até a sexta etapa, infelizmente não deu sorte nas duas últimas pernas e finalizou em 5º lugar entre 330 mil participantes de 184 países. Depois disso, parou de competir desde 2012, mas retornou agora às regatas virtuais, participando inicialmente de regatas como testes, para adaptar-se (a tecnologia desenvolveu-se muito nos últimos anos).

Roberto Negraes