Teresa Karina: a expectativa em terra

O Saravah, na largada da Cape2Rio: corrida oceânica é acompanhada dia e noite pela também velejadora Teresa Karina. Foto: Alec Smith - Divulgação

O Saravah, na largada da Cape2Rio: corrida oceânica é acompanhada dia e noite pela também velejadora Teresa Karina. Foto: Alec Smith - Divulgação

Família de velejador(es)

Por Roberto Negraes*

“Nunca desista, nunca desista, nunca desista!!!”

A frase acima é de Teresa Karina, a esposa do navegador do Saravah, Hans Hutzle, acompanhando e torcendo pelo sucesso do barco brasileiro na Cape2Rio 2020

Tereza Karina, esposa do navegador Hans Hutzle, aguarda ansiosa pela chegada do Saravah, competindo na categoria monocascos (deve chegar provavelmente hoje ou amanhã cedo). Durante a maior parte de regata, o veleiro esteve sempre entre os dois primeiros colocados. Infelizmente, a calmaria perto do final da regata tornou a classificação final uma incógnita. Tereza, ainda na esperança de um bom resultado, conta como foi a expectativa pela participação de Hans na Cape2Rio:

“O convite do Saravah deixou todos muito excitados aqui em casa. A Cape2Rio é uma regata desafiadora e daria a chance de colocar em prática análise meteorológica e routing, coisas que Hans curte muito. E num barco que havia disputado a edição anterior. Perfeito! Em junho/julho vamos cruzar o Atlântico saindo da França com nosso novo barco, o Aventureiro 4, e a Cape2Rio surgiu como um treininho de luxo para nossa viagem! Eu acompanho o rastreamento da regata o tempo todo, instalei o aplicativo no celular para não perder nenhum detalhe. Estar entre os líderes é fruto do trabalho em equipe incrível que os meninos do Saravah estão fazendo e não apenas na navegação traçada por Hans. A turma da manutenção deve ter bastante trabalho. Hans é exclusivamente navegador, não tem turnos de leme. Em vários momentos, ele me falou da sintonia que rolou entre o grupo, como se eles velejassem sempre juntos”.

Teresa também é velejadora e conhece bem o mar. Com isso, acompanhou em tempo integral a navegação feita pelo Hans, de todos os modos possíveis:

“Hans instalou no meu computador, em casa, o mesmo programa que ele usaria para routing na regata e eu baixava os gribs sempre que possível e estava de olho na tempestade (leia sobre previsões em arquivos grib aqui). Uma forma de me preparar para nossa viagem também estudando um caso prático. Fui acompanhando a rota que ele vinha criando e percebi que estavam indo mais para o norte, talvez tenha sido o primeiro barco a começar a desviar pro norte fugindo do olho da formação. Eu sabia que ele baixava a previsão meteorológica quatro vezes ao dia e que tinha total condição de decidir, junto com a tripulação, uma rota segura, mas competitiva ao mesmo tempo. Estava tranquila! Confio no meu navegador! Acho que os amigos nos grupos de Whatsapp que ficaram nervosos. Perdi a conta de quantas vezes recebi o aviso da tempestade postado pelo Serviço Meteorológico da Marinha!”

E a comunicação com o Saravah, como acontecia?

“Eu recebo os reports oficiais (que percebi, na primeira linha, serem obra do Hans) ao mesmo tempo que ele manda para a organização, por e-mail, sempre de manhã. E à noite tem um texto mais informal do Phil, o tripulante sul-africano, que conta mais “intimidades” da vida a bordo. Trocamos muitos e-mails de assuntos domésticos, mas não estabelecemos hora para isso. As trocas de e-mails eram de acordo com a necessidade da casa e dos nossos filhos. Mantivemos contato pelo e-mail via Iridium [sistema por satélites, nota da Redação]”.

Teresa e Hans moram em Recife e ela deve viajar para o Rio de Janeiro amanhã (29 de janeiro) para encontrar com seu marido:

Momentos finais: o rastreador do site da Cape2Rio 2020 mostra o Saravah (barco branco) aproximando-se da chegada como um dos líderes entre os monocascos

Momentos finais: o rastreador do site da Cape2Rio 2020 mostra o Saravah (barco branco) aproximando-se da chegada como um dos líderes entre os monocascos

“Programei ir para o Rio na quarta-feira, dia 29, porque achava, a princípio, que o Saravah chegaria na terça. Queria dar um tempo de descanso para o papai antes do filhote pular no pescoço dele e não largar mais. Mas a calmaria pós Kurumi deve retardar a chegada e pode ser que eles estejam chegando enquanto a gente pousar no Galeão. Procurei manter o nosso pequeno sempre ocupado, pois está de férias da escola e queria olhar o rastreamento da regata a cada 15 minutos! Felipe é, sem dúvida, o tripulante de terra mais ansioso! As perguntas que mais ouvi desde a largada: “Mãe, onde papai está? Faltam quantas milhas?”. Mesmo que eu já esteja no Rio no momento da chegada, não posso ficar exposta ao sol por conta de uma cirurgia que fiz em dezembro, então esperarei tranquila na sombra”.

Durante o longo período de duração da regata, aconteceram momentos bons e momentos preocupantes. E Teresa conta sobre eles:

“Meu momento preferido (Hans, não fique chateado com sua esposa, por favor) era o e-mail com o texto do Phil. Adorava saber o que eles comiam (Phil é o cozinheiro e eu adoro cozinhar), sobre o clima de companheirismo e muitas risadas. Estou louca para aprender o famoso pão com água salgada. Só fiquei preocupada quando vi que eles haviam entrado no bolsão sem vento pós Kurumi e pensei: Ai, meu Deus, meu amor deve estar feito louco analisando todos os modelos meteológicos que conseguir baixar para achar um lugar com mais vento. Ficar boiando no meio de uma regata é desesperador! Fiquei preocupada com ele nesse período. E também me preocupei quando soube que a geladeira tinha pifado, mesmo sabendo que a base da alimentação era com comida que independe de refrigeração”.

E, se depender dela, o casal estará junto na próxima Cape2Rio, comemorando seu aniversário a bordo, conforme conta Teresa com toda a sua simpatia:

“Velejo com Hans de oceano há 28 anos. O vírus regateiro já me contaminou faz tempo (risos). Já disputei 13 Refenos. Temos intenção de participar da próxima edição da Cape2Rio com nosso novo catamarã. Se a organização reduzir o intervalo de três para dois anos, como ventilado, a próxima será em 2022, e eu passaria meu aniversário de 50 anos na regata. Uau! Já pensou que forma incrível de comemorar uma idade marcante?”

Finalmente, Teresa nos conta um pouco sobre a história de toda a família em termos do esporte da vela:

“Além dos barcos de oceano, Hans veleja em monotipos desde os 7 anos de idade, quando começou no Optimist. Nossos filhos são a quarta geração de velejadores na família. Descobrimos recentemente que a vela entrou na família dele em 1958, quando seu avô, René Ribeiro, comprou um Snipe. Hans competiu de Optimist, Hobie Cat 16 e Europa. Passou anos só na vela de oceano. Em 2015 compramos um Dingue — o Caso Sério — e começamos a velejar juntos. E como Hans não entra em nada só pra brincar, o caso foi ficando cada vez mais sério. Vencemos o primeiro brasileiro em 2017, em Ilhabela, com 19 kg a mais do que o peso mínimo da classe. Obrigada, Eolo, pela ventania que soprou, pros gordinhos foi excelente. A vitória foi o incentivo que faltava para mergulharmos juntos num programa nutricional que nos fez perder 11 kg (a dupla) para enfrentar o vento fraco de Brasília em 2018 e todo nosso esforço nos rendeu o bicampeonato nacional.Em 2019, seria na raia dos grandes campeões, o Saco de São Francisco, Niterói. Compramos um barco novo, melhoramos o layout para nosso estilo de velejada, contratamos um treinador físico para melhorar nossa resistência, e continuamos o trabalho com a nutricionista. Corremos dois campeonatos em Niterói, logo antes do Brasileiro de 2019, para nos ambientar. Foi um campeonato duríssimo, decidido na última regata, a mais difícil da vida, me confessou Hans. E aprendi uma lição para a vida: nunca desista, nunca desista, nunca desista! Um momento que coroou nosso trabalho em parceria superfortalecedor pro nosso casamento de 25 anos. Presentão no ano das nossas bodas de prata. De volta de Niterói nosso treinador preparou Hans para uma regata longa num monocasco, pois ele praticamente só veleja de oceano em catamarãs desde 2013”.

Sobre a família:

“Eu acabei de fazer 48, revela Teresa, e ele ainda tem 47. Sim! Ele perdeu a comemoração do meu aniversário! Temos dois filhos: Marina, 18 anos, e Felipe, 7 anos. Marina velejou de Optimist e de 29er; desde setembro de 2019 está morando em Evanston [no estado de Illinois, Estados Unidos], cursando engenharia na Northwestern University e velejando no sailing team na universidade. Felipe, que faz muita questão de dizer que já correu 5 Refenos, está na Escolinha de Vela do Cabanga Iate Clube e não pensa em outra coisa a não ser a travessia do Atlântico no nosso Aventureiro 4.”

Nosso velejador virtual

 
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Foto: Arquivo pessoal

*Roberto Negraes é jornalista especializado em náutica e navegação, um dos pioneiros do setor. Em sua primeira participação numa regata virtual, conseguiu um 8º lugar numa das etapas da Volvo Ocean Race de 2008-09. Depois disso, passou a praticar e tornou-se o melhor brasileiro e participante do continente americano durante anos, vencendo etapas de regatas internacionais como a Velux Five Oceans em 2010, vencendo na categoria SO (sem equipamentos extras) uma Solitaire du Figaro, 2º lugar na Cap-Istambul de 2010, e terminando entre os Top 10 em 16 grandes eventos internacionais. Na Volvo Ocean Race de 2011-12, esteve em 2º lugar até a sexta etapa, infelizmente não deu sorte nas duas últimas pernas e finalizou em 5º lugar entre 330 mil participantes de 184 países. Depois disso, parou de competir desde 2012, mas retornou agora às regatas virtuais, participando inicialmente de regatas como testes, para adaptar-se (a tecnologia desenvolveu-se muito nos últimos anos).

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