Pronto para o verão?

Foto: Chuan - Unsplash

Foto: Chuan - Unsplash

Barco parado

é barco quebrado

Por Alvaro Otranto

Parece profecia, mas é fato: durante o período do inverno, muitos proprietários de barcos os deixam perdidos no esquecimento, lembrando das pobres embarcações apenas às primeiras brisas mornas da primavera — terrível engano! 

   Na maior parte do nosso país, não temos o que poderia ser chamado de inverno “de verdade”, pois aqui os barcos não são cobertos por neve, blocos de gelo não impedem a saída dos barcos nas bocas de rio, os ventos não costumam ter força de furacão, nem a temperatura da água do mar baixa a ponto de matar ninguém. Salvo nosso litoral Sul, o restante do país continua sendo navegável e “aproveitável” no sentido náutico da palavra.

   Em Angra e no Rio, os dias são ensolarados e de temperatura amena; em Ilhabela e Búzios, os velejadores só têm motivos para comemorar e se divertir. No Nordeste, a bem da verdade, venta acima do normal e as ressacas na Baía de Todos os Santos são um caso sério, mas, no geral, não há por quê parar seu barco. Para as embarcações de cruzeiro, o inverno é uma época de tranquilidade, devido ao sumiço de grande parte das lanchas e das motos aquáticas com suas marolas, o que permite longos períodos de fundeio bem mais confortáveis.

   Se você, porém, não tem como sair por falta de companhia ou qualquer outro motivo, procure uma maneira para que seu barco seja colocado na água ao menos uma vez a cada duas semanas, e que rode com carga. Isto quer dizer que deve navegar de verdade, e não apenas ser “adoçado” no pátio da marina, com os hélices parados ou rodando sem o peso da água para ser impulsionado. Este esforço mantém o sistema de lubrificação funcionando, a temperatura do motor chega ao ponto necessário de equilíbrio para que todos os seus componentes trabalhem por igual e para que também não aconteça a carbonização nos cilindros. De quebra, seu combustível não perde as características necessárias a uma boa queima e não absorve umidade do ar.

   Não é excesso de zelo. Barcos, mesmo tripulados, que são deixados fora de operação por longos períodos tendem a apresentar problemas de umidade nos eletrônicos, entradas de ar nas redes de óleo hidráulico e de água doce. Os equipamentos de ar condicionado “perdem gás”, assim como geladeiras, freezers e icemakers acabam apresentando algum problema. A citada umidade costuma penetrar em armários e frestas, trazendo cheiro de mofo para roupas e toalhas. A tripulação perde o ritmo de trabalho e eficiência, esquecendo de rotinas e cuidados. Portanto, é importante que sejam criadas oportunidades de uso ou atividade que não seja um monótono lavar-secar-polir-abrir-fechar que só termina quando o calor do verão retorna.

...Se o barco fica permanentemente na água, a tinta de fundo costuma sofrer um pouco menos quando a água do mar esfria, mas devido à inoperância do barco, as cracas se espalham, causando a redução da vazão de água nas redes de circulação. O limo é parceiro das cracas e costuma criar as “barbas de bode” ao longo da linha d’água, dando um aspecto péssimo a seu barco.

   Em barcos fora de operação, as baterias começam a apresentar problemas, seja descarregando ou mesmo evaporando o eletrolito (caso se aplique), o zinabre se instala nos bornes. A já comentada umidade se espalha por todos os circuitos do barco e nem mesmo a comida escapa. Alimentos e bebidas se estragam e até aquele rótulo do vinho acaba se esfarelando e desfazendo, parecendo resto de um naufrágio encontrado na beira da praia.

   Nas linhas de combustível do bote e da moto aquática, a gasolina se transforma numa gelatina granulosa, que se não for retirada em tempo acabará entupindo todo o sistema de injeção do motor e causando mais prejuízo ainda, sem falar no aborrecimento de não poder usufruir do barco num dos seus poucos momentos disponíveis.

   Fique de olho na previsão do tempo, e quando uma grande massa de ar quente e seco tomar conta do país, desça para o litoral e tire a poeira de seu barco. Com alguma sorte, poderá aproveitar dias radiantes, de céu claro e sol brilhante, temperaturas amenas, fundeadouros, bares e restaurantes menos concorridos, e poderá desfrutar do clima ideal para apreciar um bom tinto ao cair da tarde, enquanto balança suavemente seguro por sua âncora.

   Lamento se este texto chegou tarde demais a seu conhecimento, mas a primavera é a época do ano em que o tempo não costuma ajudar a sair para o mar, pois as frentes frias aparecem como do nada, e costuma chover demais. Se apresse, e prepare seu barco para o melhor que ainda está por vir.

Siga o Alvaro Otranto em: http://capotranto.blogspot.com.br

Alvaro Otranto