Vendee Globe Real e Virtual - 2-1-2021

A última esquina

Bestaven é o primeiro no Cabo Horn

Um grito que estava preso na garganta: Yannick Bestaven, atual líder da Vendée Globe, comemora sua primeira passagem pelo Cabo Horn

Um grito que estava preso na garganta: Yannick Bestaven, atual líder da Vendée Globe, comemora sua primeira passagem pelo Cabo Horn

O skipper do Maître Coq IV abre o caminho de volta para casa; Charlie Dalin (Apivia) é esperado nas primeiras horas deste 3 de janeiro

  Na manhã deste sábado, Yannick Bestaven alcançou a longitude 67°17’21’’Oeste, correspondente à extremidade sul da Ilha de Hornos. É a primeira vez que o skipper do Maître Coq IV passa pelo mítico Cabo Horn. Um belo desempenho, ainda mais porque ele vem liderando a regata de volta ao mundo há 17 dias.

  “Passar o Cabo Horn já é uma grande coisa para um velejador! Numa primeira volta ao mundo solo, ainda mais. E na frente, então, na Vendée Globe, é uma loucura!”, exultou Yannick Bestaven ao ser contactado à tarde. Feliz, comovido, cansado e fascinado com as condições dantescas que vem vivendo desde manhã, enquanto comemorava com champanhe na mão sua passagem, na liderança, do último dos três grandes cabos na Vendée Globe, após 55 dias e 22 minutos de competição.

  Depois de um Oceano Índico transposto entre os top 5, “Besta”, como é chamado, assumiu o comando da flotilha às portas do Pacífico, no dia 16 de dezembro. Desde então, o francês, que completou 48 anos no dia 28 de dezembro, conseguiu comandar à perfeição o seu veleiro (projeto Verdier-VPLP e equipado com hidrofólios pequenos). Um barco confiável e testado, da geração 2016, que ele conduz a 100%, ou perto disso, do seu potencial.

  “Sou teimoso, é um dos meus defeitos, mas também uma das minhas qualidades”, revelou o engenheiro naval nos pontões de Les Sables d'Olonne alguns dias antes da partida. “Também sou muito resistente. E tenho uma mente forte em condições difíceis”. Ele provou isto nos mares do Sul, que não conhecia e que cruzou com bravura, sem falhar.

  Ao contornar o Horn, ele estava mais de 160 milhas à frente do segundo colocado, Charlie Dalin (Apivia), com o terceiro, Thomas Ruyant (Linked Out), a cerca de 458 milhas (ou um dia) atrás.

  Para Bestaven, foi um grande alívio, após dias muito intensos correndo forte à frente de um sistema de baixa pressão. A travessia do Pacífico foi pontuada por quatro dias perto do Natal com ventos muito fracos, quando parecia haver uma chance de Bestaven e Dalin serem prejudicados, mas Bestaven — que cresceu em Arcachon, ao sul da costa francesa do Atlântico — navegou impecavelmente, sempre pressionando com força, em cursos rápidos e diretos ao longo da Zona de Exclusão Antártica.

  “Tive de acreditar nas minhas opções e no meu caminho, sem me preocupar com o que os meus concorrentes podiam fazer. Tinha de ser teimoso, especialmente quando fiquei perto da zona do gelo. Mas eu não pensei que se pudesse ir tão longe no corpo humano para superar física e moralmente todo o estresse, o frio, a umidade, a solidão. Houve alguns momentos mágicos e alguns muito difíceis, como quando o barco deitou completamente, no meio da noite, eu estava no convés me perguntando o que estava fazendo ali.”

  Vencedor da Mini Transat de 2001 e duas vezes vitorioso na Transat Jacques Vabre na Classe 40, Bestaven agora desforra um pouco da Vendée Globe de 2008, que para ele terminou no Golfo da Biscaia (por quebra de mastro), algumas horas após a sua partida. Após 55 dias de regata, é ele quem abre o caminho para a "casa", agora 7 mil milhas adiante!

  Com o Cabo Horn para trás, Bestaven ainda terá que cerrar os dentes por várias horas antes de experimentar condições mais calmas. Ainda tem que passar a Ilha dos Estados (a leste da Terra do Fogo, na ponta da Argentina) antes de dar a seta para a esquerda e iniciar a subida do Atlântico Sul.

  A 200 milhas do Cabo Horn, é a vez de Charlie Dalin (Apivia) — também um estreante — passar por condições difíceis. Enquanto Bestaven insinua às vezes ter acelerado a 17-19 nós, o capitão do Apivia diminuiu o ritmo e está progredindo em direção à ponta da América do Sul a uma média de 15 nós. Ele deve passar pelo Cabo Horn na madrugada deste domingo.

  Atrás, Thomas Ruyant (Linked Out, 3º), lado a lado com Damien Seguin (Apicil, 4º), ainda tem pelo menos 36 horas antes de contornar o famoso cabo. O vento, que mudará para oeste, logo forçará o grupo que o segue a virar a favor do vento para avançar para leste.

  Yannick Bestaven é um dos três skippers que permanecem na regata que ajudaram na procura de Kevin Escoffier quando este teve de abandonar seu barco, o PRB, em 30 de novembro. E assim, embora sua vantagem sobre Dalin seja de 160 milhas agora, Bestaven também tem mais 10 horas e 15 minutos de compensação pelo tempo gasto para ajudar na busca.

  O tempo de passagem de Bestaven desde a largada em Les Sables d'Olonne é mais de oito dias mais lento que o recorde de 47 dias estabelecido por Armel Le Cléac'h, em 2016; três dias mais lento que os 52 dias de François Gabart, em 2012; e um dia e 15 horas mais rápido que o tempo de Michel Desjoyeaux, em 2008.

  Enquanto isso, a britânica Pip Hare está tentando encontrar a melhor solução para um aparente problema na parte do anemômetro que fica no topo do mastro de seu Medallia. Ela tem navegado sem os dados de vento, que são cruciais em uma competição como esta, apenas no modo de bússola em seu piloto automático.

  Todos precisarão estar em guarda para o início de uma nova baixa que varrerá grande parte da flotilha nas próximas horas e se fortalecerá conforme ela se move em direção à América do Sul.

Regina Hatakeyama