Da cozinha para o timão
Tracy Edwards
As marés de sorte e de azar de uma inglesa muito atrevida
Por Regina Hatakeyama
Em 1989, Tracy Edwards comandou a primeira tripulação 100% feminina em uma regata de volta ao mundo
A inglesa Tracy Edwards entrou para a história ao liderar a primeira tripulação feminina a velejar ao redor do mundo. Sua trajetória até esse ponto não foi nada comum. Por fumar e beber durante uma viagem escolar, aos 15 anos, ela foi expulsa do colégio e, sem saber o que fazer da vida, seguiu o conselho da mãe: foi viajar sozinha, para aprender a “se virar” e encontrar o próprio caminho.
Com apenas 17 anos, ela já estava trabalhando em iates de charter na Grécia, onde encontrou tripulantes com quem se identificava. "Não sabia que havia pessoas como eu, e senti que me encaixava pela primeira vez na vida, que ninguém realmente se importava com o passado de ninguém ou por que estávamos lá", conta a ex-menina problema, que acabou conhecendo o rei Hussein I da Jordânia, que a aconselhou a tripular um veleiro de volta ao mundo.
Em 1985, aos 23 anos, Tracy acabou indo parar a bordo do veleiro britânico Norsk Data GB na regata de volta ao mundo Whitbread Round the World Yacht Race (posteriormente Volvo Ocean Race e atual Ocean Race) e na segunda etapa dessa mesma competição embarcou como cozinheira no sul-africano Atlantic Privateer. Ao constatar que dos mais de 200 tripulantes da regata, apenas quatro eram mulheres, a inquieta inglesinha teve a ideia de formar a primeira tripulação 100% feminina.
Dois anos depois, a decidida jovem hipotecou sua casa para comprar um veleiro usado Bruce Farr de 58 pés (17,5 m) de alumínio e, com sua tripulação, o reformou na Inglaterra ao longo de seis meses. Assim nasceu o hoje lendário Maiden, que acabaria sendo patrocinado pela companhia aérea Royal Jordanian — lembra daquele encontro com o rei da Jordânia? — na Whitbread Round the World Yacht Race 1989-90.
Capitaneadas por Tracy, as garotas pioneiras ganharam duas das seis pernas da competição e terminaram em segundo lugar em sua classe, o melhor resultado de um barco britânico em 17 anos! O Maiden e sua comandante entraram para a história. Tracy lançou dois livros, recebeu o título de membro da Ordem do Império Britânico (MBE) e o troféu de iatista do ano, mas nem tudo foi sucesso em sua vida.
Em 1998, a velejadora inglesa lançou-se ao desafio de comandar a primeira tripulação feminina e a mais rápida a realizar uma circum-navegação sem parar e ganhar o Troféu Júlio Verne. Chegou a bater cinco recordes mundiais, o mastro do seu catamarã de 92 pés (28 m) Royal Sun Alliance quebrou a 2.000 milhas da costa do Chile. Depois de uma pausa para dedicar-se à maternidade, ela voltou à carga em 2001, adquirindo o Maiden II, de 110 pés (33,5 m), o maxicatamarã mais rápido do mundo, com o qual sua equipe constituída de homens e mulheres quebrou quatro recordes mundiais.
Depois disto, envolveu-se na organização da primeira regata de circum-navegação que começou e terminou no Oriente Médio, com quatro dos mais velozes multicascos do mundo, mas levou um calote do patrocinador do Catar e Tracy, que havia tomado um empréstimo pessoal de 8 milhões de libras esterlinas para financiar o evento, foi à falência.
Aos 43 anos, teve de recomeçar a vida. Foi trabalhar em instituições de proteção a crianças e adolescentes, formou-se em psicologia, ajudou a escrever a resolução de 2009 sobre a Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas, tornou-se palestrante motivacional, passou a ensinar segurança na internet para crianças e pais e trabalhar com grupos de jovens.
Em 2014, Tracy soube que seu antigo Maiden, que tivera vários donos desde 1990, estava abandonado e em más condições em uma marina em Seychelles, no Oceano Índico. Ela então lançou uma campanha para salvar o barco, que voltou à Inglaterra e foi restaurado. Agora, o Maiden voltou a navegar e é utilizado para arrecadar fundos para The Maiden Factor, organização criada por Tracy para a educação de meninas do mundo todo. Ela e o Maiden também são tema de um documentário dirigido por Alex Holmes.