Silicrim - Uma vida no mar
Mestre Silicrim
O Império de um Solitário
Ele navegou por 70 anos, até chegar aos 80 anos de idade. Em seus últimos tempos no mar, velejava em solitário. Morreu de forma trágica, mas, pouco antes, foi personagem principal de um documentário que o imortalizou
Mestre Benedito, o Silicrim, comandou inúmeras embarcações comerciais nos litorais do Maranhão e Pará. Recolhia lixo nas praias, preocupado com o meio ambiente. Lamentavelmente, porém, este grande embora desconhecido lobo do mar brasileiro morreu assassinado. Pouco antes, entretanto, sua história foi objeto de filme — O Império de um Navegador —, um ótimo documentário disponibilizado gratuitamente pelo diretor, Edson Fogaça, para que não se perca a memória de Mestre Silicrim.
Esta é a história de Bendito Raposo Teixeira, de apelido Silicrim. Homem simples, analfabeto, mas um verdadeiro mestre dos mares, dominando os ventos e as ondas aos 80 anos de idade! Seu conhecimento do mar e da navegação à vela — inclusive preferindo, em seus últimos anos, navegar em solitário — o trazem para a linha de frente dos grandes navegadores, aqueles incógnitos que muito fizeram por seu país (no caso de Silicrim, a região dos povoados isolados do Maranhão e do Pará, para onde fazia o transporte de alimentos e produtos diversos).
Nascido em São Lucas (bairro pertence a Cururupu, no Arquipélago de Maiaú, no Maranhão), Silicrim começou a velejar entre os 10 e 12 anos de idade e se apaixonou pelo mar "não queria trabalhar em mais nada, decidira minha vida".
O mestre ficou conhecido por seu amor pela natureza, e assim chamou a atenção do cineasta Edson Fogaça. Com a idade, aumentou a preocupação de Silicrim com o meio ambiente e ele passou a recolher o lixo nas praias, principalmente garrafas, mas também metais e baterias, que levava para reciclagem em São Luís.
Aos 72 anos, quando precisou submeter-se a uma cirurgia de hérnia, foi surpreendido pelas pessoas que tomavam conta do seu veleiro, no Estaleiro Escola São Luís, dirigido por Luiz Phelipe Andrés. Observando o desgaste do madeirame, eles decidiram presentear o velho marinheiro, reformando por completo a embarcação. A reforma demorou um pouco... Silicrim teve outra hérnia, passou por nova cirurgia e, finalmente, levou o barco consigo, em estado de novo. Depois de dois anos, ambos estavam recuperados!
Como praticamente todo mestre da região contava em segredo, meio temeroso: "Fiz viagem até o Suriname (Guiana Francesa, Cayenne), aproveitei para trazer umas garrafas de uísque e cigarro. Foram 15 dias de viagem. Depois disso, preferi viagem em solitário (e com muito orgulho)”.
Sempre navegando, Mestre Silicrim, em idade avançada, era aconselhado por amigos e familiares a parar. Ele hesitava por amar demais o mar, seu veleiro e viagens. Finalmente, aceitou parar. Embora tivesse saúde rígida, a força física já não era a mesma, e as preocupações aumentaram quando um amigo — o Maneta, outro navegador solitário e idoso, que não tinha uma das mãos — morreu sozinho no barco. Assim, o filme foi idealizado para mostrar as últimas velejadas e viagens do velho mestre.
Porém, pouco tempo após o lançamento do filme, veio a notícia cruel. O velho marinheiro fora brutalmente assassinado. Inveja por Mestre Silicrim ser objeto de um filme? A suposição de que ele agora seria "rico"? O que motivou essa morte insensata, de alguém que deixou um grande legado para sua terra e um exemplo para os homens do mar? Fiquei chocado ao saber do fato. Ainda por ter sido a ex-mulher de Silicrim a mandante do crime.
Entrevista com o diretor
Edson Fogaça refere-se ao Mestre Silicrim com evidente admiração
Como o conheceu?
“O velho navegador solitário apareceu no estaleiro escola, em São Luís, dirigido por um amigo, Phelipe Andrés, que assim o conheceu. Phelipe me falou algumas vezes deste personagem, que me chamou a atenção pelo fato de recolher garrafas em praias isoladas do litoral maranhense e por sua idade avançada, velejando sozinho pelo litoral. Em 2014, ao participar do Blue Ocean Film Festival, na Flórida (EUA) com um curta metragem sobre a jangada, veio a decisão de fazer o documentário de longa metragem sobre Silicrim. Liguei para o Phelipe de lá mesmo e ele começou a organizar as filmagens. Era novembro de 2014 e, em fevereiro de 2015, eu estava em São Luís. Gravamos durante o ano de 2015 e, em 2016, voltei para os Estados Unidos para apresentar o filme, que foi finalista na categoria Filme Estrangeiro, no mesmo festival (Blue Ocean Film Festival). Em dezembro de 2016, fizemos a pré-estreia do filme em São Luís (MA), que contou com a presença do navegador Amyr Klink.”
Como descobriu o cinema — e o mar?
"Um dos motivos que me levaram a querer produzir filmes sobre o mar era uma certa escassez deste tipo de abordagem, retratando temas brasileiros. Isso num universo tão rico em histórias e tradições náuticas como o nosso! Apesar de morar longe do mar, em Brasília (DF), mantenho contato permanente junto ao litoral através de viagens e frequento muito Paraty (RJ)."
Como você começou a realizar filmes?
"Sou arquiteto de formação, mas sempre trabalhei com comunicação. O interesse pelo audiovisual surgiu naturalmente e, em 2010, fiz um curso de cinema documentário em Cuba, que foi determinante para realizar o meu primeiro curta-metragem (A Jangada de Raiz, 2012). Desde então, tenho desenvolvido diversos projetos e, para registrá-los, era necessário ter uma empresa certificada pela Ancine. Assim, a Raruti Comunicação e Design, da qual eu já era sócio, se tornou também uma produtora de filmes."
Trabalhou antes em outras empresas?
"Trabalhei durante 18 anos na Unesco, na área de comunicação. A atividade cinematográfica foi desenvolvida em paralelo. Eu utilizava as minhas férias para viajar e filmar, trabalhando temas etnográficos e antropológicos, não necessariamente comerciais. Como não tinha interesse comercial nestes projetos, que eu mesmo financiava, tinha muita liberdade para trabalhar os temas."
Tem associados?
"Sempre trabalhei de forma independente, mas no projeto de O Império de um Navegador, contei com a parceria de uma produtora maranhense, a Guarnicê Produções, de Joaquim Haickel."
Boa parte dos seus temas são ligados ao mar...
"Quando me formei em arquitetura, em 1986, fui trabalhar em São Luís (MA), no programa de recuperação do patrimônio histórico (Projeto Praia Grande), que era dirigido por um engenheiro mineiro, o Luiz Phelipe Andrés. Entre os diversos programas que ele dirigia, um me chamou a atenção: o Projeto Embarcações do Maranhão, uma pesquisa sobre as técnicas construtivas tradicionais artesanais de embarcações. Acabei me inserindo naquele projeto e, desde então, me apaixonei pelos temas ligados ao mar. Depois de um ano e meio em São Luís, fui para Portugal, onde fiquei dez anos e também trabalhei com este tema. Ao voltar para o Brasil, decidi continuar estudando as embarcações brasileiras, sempre com o apoio e parceria do Phelipe Andrés, e comecei a viajar pela costa, acompanhado pelo fotógrafo Niven Franci. Durante anos, registramos as embarcações tradicionais e, diante de tanto material, veio a vontade de registrar em filme, também."
E o assassinato do Silicrim?
"O nosso querido Mestre Silicrim foi brutalmente assassinado em 2018, razão pela qual nós (eu e o Joaquim Haickel) decidimos não comercializar o filme. Preferimos oferecê-lo gratuitamente ao público por meio das plataformas Youtube e Vimeo. O documentário já havia participado de alguns festivais, inclusive com premiações, mas optamos por liberá-lo, muito em razão da comoção que a perda de Silicrim causou em sua região, do desejo de muitos em visualizá-lo e da dificuldade em acessar uma plataforma digital monetizada. Foi também uma forma de o homenagear e nosso desejo é que este filme chegue ao maior número de pessoas, no Brasil e no exterior."