Vendée Globe Real e Virtual - 23-12-2020
Na regata real, Bestaven de olho no retrovisor
Na regata virtual, os líderes de olho no cabo Horn
Os skippers da Vendée Globe 2020-21 real continuam às voltas com ventos fracos; na versão virtual, os líderes, em ventos de 30-35 nós, estão chegando no Cabo Horn
Enquanto os barcos da regata real enfrentam um anticiclone (alta pressão) que está tornando as coisas um pouco difíceis, com ventos fracos e velocidades baixas, a outra Vendée Globe, a virtual, está numa situação muito diferente (e distante). O grupo líder está surfando nos ventos fortes de uma depressão, já próximo do Cabo Horn. Meu Minuto Nautico, por exemplo, voa baixo, a 22.5 nós.
Um dos defeitos do mapa de rastreamento (track map) oferecido no site oficial da Vendée Globe é que este apresenta apenas as posições dos barcos e não dá noção alguma do que acontece. Já na interface da Virtual Regatta, pode-se ver exatamente em que ventos eles (os barcos reais) estão navegando, o porquê aparecem com a proa mais para norte ou para sul etc. Assim, olhando a situação dos barcos reais, percebe-se que estão exatamente onde está uma extensa alta pressão, com ventos muito fracos (em seu centro, calmaria total). O que posso observar avançando as previsões para 12 e 24 horas adiante, é que esse centro de alta pressão move-se para leste, no mesmo rumo que os veleiros reais, e assim eles não conseguem se livrar da encrenca. Enquanto isso, os retardatários, com ventos melhores, vão se aproximando. O que justifica o título do artigo hoje no site da Vendée Globe: “Bestaven de olho no retrovisor”.
No mapa dos líderes da regata virtual, temos uma situação complicada, com ventos fortes, entre 27 e 32 nós (irão se desenvolver para 40-50 nós nas próximas horas conforme formos avançando para o Horn). O grupo líder está se dividindo em três: o primeiro (1), a maioria, mais ao norte, aponta num rumo direto para o Horn; enquanto isso, outro grupo (2), segue rumando para o sudeste. E um pequeno grupo (3), ao centro, segue para leste.
Por que essas escolhas? O grupo 1 segue como um cego atendendo ao seu cão guia, o roteador Zezo — aliás um ótimo guia, que costuma traçar boas rotas. Eu mesmo o tenho como referência e sigo quase sempre, mas ao ver o rumo que o Zezo indicava esta manhã, decidi ignorá-lo e estudei por uma hora os melhores ângulos polares em relação aos ventos presentes e para as próximas 12/24 horas. Cheguei assim a uma rota (linha em branco pontilhada na imagem) por mim definida sem nenhum auxílio de software. Será que vai dar certo? Ou será que o Minuto Nautico será o pior cego por não querer ver? Logo mais saberei se minha impetuosa rebelião contra o papai Zezo foi acerto ou erro! (risos)
Poucos barcos fizeram o mesmo, entre eles o Sideshow, capitaneado por um profissional com experiência real familiar tanto na Whitbread quanto na America's Cup e vencedor da Volvo Ocean Race Virtual em 2011-12 (de 300 mil participantes). Eu fui seu grande rival, sendo derrotado pelo cansaço, pois estive em segundo lugar até a sexta etapa daquela regata, mas caí nas duas últimas porque era impossível ficar sem dormir por tanto tempo. Consegui até 72 horas, mas não raciocinava mais. De qualquer modo, eu e o skipper do Sideshow trocamos muitas mensagens naquele tempo, e ao final da Volvo Ocean Race, quando terminei em 5º lugar, ele me enviou mensagem dizendo que eu deveria estar no pódio junto com ele.
Enfim, eu sabia antecipadamente que o Sideshow não iria seguir o Zezo, bem como eu. E quando a "poeira baixou" logo depois da última atualização dos ventos, lá estava o Minuto Nautico pouco atrás do Sideshow indo pelo "caminho do meio", como gosto de definir "budisticamente" minha escolhas.
E o grupo abaixo, no mapa, indo mais para o sul? Eu costumo dizer que é a turma do "vai que dá...", pois durante toda a regata sempre aparece tentando algo sem muita lógica. Às vezes, Netuno lhes atende. Ou não.
Foi bom eu ter conseguido retornar ao grupo líder da Vendée Globe Virtual, depois de ter sofrido o bug que me lançara, pela terceira vez, de 4 a 5 milhas para trás dos demais. Na ocasião, fiquei muito estressado com o ocorrido e tomei uma decisão radical. Cambei meu barco em 90 graus, num rumo errado (eu estava então entre os primeiros colocados), até que o Minuto Nautico apareceu em 10 mil na classificação. A partir daí, comecei a competir normalmente de novo. Por quê? Para não me estressar mais. Levo as coisas muito a sério para suportar erros de software. O Minuto Nautico ficou muito para trás no ranking, navegando em modo "cruzeiro"; novos bugs deixariam de ser motivo de irritação, viraram piada, e eu posso rir. De qualquer modo, a noite passada, o Minuto Nautico estava em 627º na classificação, mas minha escolha de rumo o deixou em 1.600 e pouco, pois a rota não é direta para o Horn, e a classificação leva em conta a menor distância numa linha reta. Veremos uma classificação mais realista ao cruzarmos o Cabo Horn.
Estamos, portanto, chegando ao terceiro dos grandes cabos da Vendée Globe. A subida do Atlântico é que vai definir os vencedores entre os virtuais. Pelo Índico e Pacífico, vieram todos num trilho só. Deixando o Horn para trás, tudo muda. Ainda hoje cedo, recebi a mensagem de um amigo português perguntando que rumo eu tomaria depois do Horn. Eu disse-lhe qual e o porquê, mas o alertei de que não sou o mesmo de dez anos atrás. A idade pesa. Não garanto nada... Posso voltar aos dez mil… Mas prefiro me divertir e seguir minhas próprias intuições a ser dirigido por um roteador, um software cão-guia. E vamos que vamos! Força, Giroka!!! Acelera KikoPR BST!!!