Vendée Globe Real e Virtual - 4-11-2020
Albatrozes e marinheiros
nos mares do sul
Sam Davies chora e contempla o voo majestoso de um albatroz, enquanto os barcos feridos seguem para a Cidade do Cabo — Alex Thomson chegou hoje e o Hugo Boss já está em segurança
A cada edição da Vendée Globe, a Cidade do Cabo (África do Sul) sempre oferece um porto seguro para os navegadores que tiveram seus barcos avariados. Este ano não está sendo diferente. O primeiro veleiro com problemas a chegar, abandonando oficialmente a Vendée Globe 2020-21, foi o Hugo Boss, do inglês Alex Thomson. Após anunciar, há quase sete dias (e a 1.800 milhas de distância), o choque de seu barco com um ófni (objeto flutuante não identificado), Thomson chegou nesta manhã de 4 de dezembro. Logo depois, declarava sua decepção: "Ainda estou me conformando com o que aconteceu. Obviamente, fiquei totalmente devastado assim que entendi que a Vendée Globe terminara para o Hugo Boss".
Alex Thomson, com participação em quatro edições anteriores da Vendée Globe, sabia dos riscos da regata e, aos poucos, vai aceitando o final precoce de sua quinta participação: "Agora temos que nos levantar e seguir em frente. Sabíamos que esta regata era difícil, tanto que já disse isso várias vezes, pois não há nenhum desafio esportivo no mundo tão difícil quanto a Vendée Globe. Tenho admiração por qualquer skipper que participe desta regata. E agora, meus pensamentos vão para aqueles que, como eu, tiveram suas participações encurtadas. Ao mesmo tempo desejo aos demais participantes uma passagem segura e um boa sorte. Estarei acompanhando".
Thomson não estará sozinho em Cidade do Cabo, embora isso não sirva de modo algum como consolo. Nas próximas horas, seu barco terá a companhia de outro veleiro da Classe Imoca, o Arkéa Paprec, de Sébastien Simon. O jovem velejador francês anunciou nessa mesma manhã que foi obrigado a desistir da regata por danos no hidrofólio e casco, que ficaram sem condições de reparos.
Dos 33 Imocas que iniciaram a corrida, quatro já a abandonaram oficialmente: Corum L'Epargne, PRB, Hugo Boss e Arkéa Paprec. E aguarda-se o veredito final a respeito da quilha danificada do Initiatives Cœur, da inglesa Sam Davies: se terá condições de continuar ou também será obrigado a arribar na Cidade do Cabo.
Enquanto isso, Sam Davies está em progresso constante rumo norte, sob velas reduzidas, e ainda tem esperanças de consertar os danos de seu Initiatives Coeur. Esta tarde, ela estava cerca de 80 milhas ao sul da Cidade do Cabo, sob ventos brandos, situação bem diferente do que enfrentou nos últimos dias.
Depois de conseguir “o melhor sono” desde que ocorreu o choque com um objeto flutuante que danificou a estrutura ao redor de sua quilha, Davies admitiu que, hoje, de repente, suas emoções escaparam quando um albatroz surgiu próximo a seu barco: "O sol também apareceu, depois de dias de céu nublado, o que ajudou a aliviar as dores emocionais e físicas. Eu sentei lá fora, no convés, ao sol. E o albatroz apareceu. E de repente me vi mergulhada em lágrimas — e isto é um pouco estranho para mim, pois nunca choro. Eu nem sabia por que chorava. Era tristeza pelo meu barco e pelo meu lugar nesta regata, ou alívio por meu barco e eu estarmos seguros? Ou uma mistura de todas estas emoções? Sempre considerei estúpido chorar quando você está só em seu barco — ninguém vai ajudá-la ou abraçá-la ou tranquilizá-la, então é praticamente uma perda de tempo e energia. Mas naquele momento em particular, eu não tinha controle sobre essas emoções. Deitei-me no convés, olhei para fora e ali, bem ali, bem perto, muito perto, invulgarmente perto, estava o albatroz mais bonito que eu já vi, deslizando no céu de forma silenciosa e lenta. Ele estava tão perto. Normalmente, os albatrozes mantêm distância, mas desta vez foi diferente, era como se ele pudesse sentir minha emoção e quisesse ajudar. A grande ave ficou por perto e me deu uma maravilhosa exibição de voo, foi uma distração bem-vinda. Dizem que os albatrozes têm a alma de marinheiros do passado e eu posso bem acreditar nisso. Sinto que estou sendo escoltada até a segurança por estas incríveis criaturas, e sou grata por suas preocupações"!
Entretanto, ontem à noite, o francês Romain Attanasio (Pure-Best Western), companheiro de Sam Davies, estava nervoso. Ele atravessava exatamente a mesma área onde o Initiatives Cœur sofreu a fatídica colisão, há dois dias, e, por coincidência, o mesmo lugar onde, há quatro anos, participando da Vendée Globe 2016-17, Romain também bateu num ófni, que danificou o leme e o obrigou a realizar o reparo na âncora, ao largo de Port Elizabeth (África do Sul).
"Recordo do trabalho há quatro anos, as mesmas latitude e longitude. Acontece que aqui converge a corrente de Agulhas, e com ela surge todo tipo de coisas na água, objetos pequenos e grandes, é uma região um pouco crítica. Estou navegando, no momento, num mar bastante alto e, portanto, estou em alerta máximo. Tenho meus olhos tanto quanto possível no Oscar (sistema de câmera que vigia a rota). Não se pode ver muito na superfície da água. Portanto, não é fácil tudo isso", disse Attanasio.
Enquanto ele fica atento a obstáculos, os líderes já se afastam da Cidade do Cabo, com o francês Charlie Dalin (Apivia) à frente. Apenas 140 milhas o separam do compatriota Louis Burton, que, entretanto, vem navegando mais ao sul, em condições extremas. A respeito dessa sua opção, Burton conta que, antes de descer de modo radical como fez, enviou mensagem para sua esposa: “Você vai continuar a me amar se as coisas derem errado?” Não contou nada sobre a resposta.
Já Kevin Escoffier (PRB), agora seguro a bordo do Yes We Cam, de Jean Le Cam, que o resgatou, deve estender a carona até as ilhas Kerguelen, onde será recebido por uma fragata da Marinha francesa.