Vendée Globe Real e Virtual - 3-12-2020
Eles não merecem
desastrosos encontros com óFNIs
Com poucas horas de diferença, dois veleiros bateram em objetos flutuantes não identificados. Gelo? Restos de equipamentos de pesca? Contêineres? Como pensam e sentem os skippers Sébastien Simon e Sam Davies sobre o ocorrido
O principal assunto na homepage da Vendée Globe no dia de hoje foram os choques, com poucas horas de diferença, dos barcos Arkéa Paprec e Initiatives Cœur com objetos flutuantes não identificados (ófnis). Ambos estão rumando para áreas de ventos mais brandos, para melhor avaliação dos danos e da possibilidade ou não de continuarem na regata.
Segundo uma nota oficial da organização, tanto Sébastien Simon (Arkéa Paprec) quanto Samantha Davies (Initiatives Cœur) estão rumando para o norte, tentando uma aproximação com a África do Sul, em busca de mar mais calmo para verificar as avarias. Ambos demonstram forte emoção em suas mensagens de voz e vídeo.
O barco de Sébastien Simon está fazendo água ao redor do ponto que une o hidrofólio de bombordo ao casco. O skipper afirma que a solução será cortar o hidrofólio pedaço por pedaço (a peça inteira pesa 300 quilos) para depois resolver o problema de entrada de água. Em seus últimos contatos, diz, com voz embargada: "Quero continuar disputando a Vendée Globe! Eu não mereço isto, é algo extremamente injusto!”
Já o Initiatives Cœur sofreu danos na estrutura longitudinal que suporta a quilha. Este é o dramático relado de Sam Davies:
"Eu estava navegando a velocidades entre 15 e 22 nós, e começou a escurecer. Enquanto fazia uma refeição quente, o casco bateu em alguma coisa dura como um rochedo. Não vi nada, não sei o que foi. Estava muito escuro quando aconteceu. O barco estancou de repente: a velocidade caiu imediatamente de 20 nós para zero! Então, com o impacto, o Initiatives Cœur mergulhou a proa. Percebi que a pancada tinha sido na quilha. Fui lançada para a frente, inclusive meu jantar voou junto, meio que “pintando” todo o interior da cabine. Tudo se moveu no interior do barco. Realmente, foi uma pancada violenta. Felizmente, acabei machucando apenas algumas costelas. Nada grave, mas doloroso”, conclui a skipper.
Depois de manobrar o veleiro para parar o seguimento, ela foi verificar os estragos: “A estrutura longitudinal ao redor da caixa da quilha está toda rachada. Foi por onde se espalhou o choque do impacto. Está rachada em ambos os lados".
O diretor da Vendée Globe, Jacques Caraës, que é um renomado ex-regatista oceânico, explicou o sentimento da dupla: "Normalmente, quando chega à porta de entrada do Oceano Índico, você entra para outro mundo, como numa outra dimensão. Você fica afastado de tudo, e é obrigado a ter uma atitude mais conservadora na navegação. Navegar nas altas latitudes dos mares do sul é como entrar por um longo túnel, onde não há outra solução senão ir até o fim. O fim do túnel é o Cabo Horn. Não há muitos refúgios seguros. Psicologicamente, sob estas circunstâncias, é duro."
Louis Burton em segundo e avançando
O francês Louis Burton, com sua estratégia arriscada e muita determinação, levou seu Bureau Vallée 2 a mais de 45 graus de latitude (foi o único veleiro que se dirigiu diretamente para os limites da área de restrição do gelo). É lá que se encontram os centros de baixa pressão e imperam os ventos fortes. Desde então, ele tem navegado em condições mais severas de vento e mar do que seus companheiros. E vem colhendo resultados. Já é o segundo colocado e possível ameaça à liderança de Charlie Dalin e seu Apivia.
É curioso que a assessoria de imprensa da Vendée Globe pouco mencionou o nome desse navegador até esta semana. De repente, comenta que, “neste momento, Louis Burton parece ter herdado de Alex Thomson, que deixou a regata, a preferência pelos ventos fortes das altas latitudes”.
Ele realmente tem alguns pontos em comum com Thomson. Por exemplo, como o inglês, Burton ficou de fora dos grupos de treinamento dos Imoca franceses, e preferiu se preparar em isolamento com sua equipe em Saint-Malo (França). Como Thomson, ele anda na companhia de pilotos de F1; um grande amigo de Burton e “padrinho” de seu veleiro é o piloto franco-suíço Romain Grosjean, que aliás, acaba de sobreviver a um terrível acidente no Bahrein.
Assim, é natural que as atenções comecem a se voltar para o Imoca de nome Bureau Vallée 2. Particularmente, comecei a prestar atenção em Louis Burton desde o início desta Vendée Globe. Sua vontade era tanta, que conseguiu queimar a largada de uma regata de volta ao mundo! Em razão disso, pagou cinco horas sem ação perto do litoral de Portugal e, assim, ficou para trás. E se não bastasse, ainda pagou mais duas por um problema de regulamento não atendido por sua equipe. Quando vi seu barco descer direto além dos 45 graus sul, já comentei em post anterior que ele iria avançar, e muito rápido. Sua gana de vencer é bem evidente. Louis Burton estava em 15º lugar há duas semanas, e agora é vice-lider.
Sempre relaxado e exibindo um sorriso bem-humorado nos vídeos e fotos, Burton relatou, hoje, de seu Bureau Vallée 2: "As condições são um pouco complicadas e não muito estáveis. Há períodos de calma que me permitem ter mais velocidade. Tenho que dar muito jibes em mares pesados, como ontem à noite, com 45 nós de vento, portanto com muito cuidado. O mar está balançando muito, mas fora isso não é tão ruim assim estar aqui tão ao sul. Principalmente por ter alcançado o segundo lugar ao entrar no Oceano Índico. A vantagem é que me permite administrar as coisas e observar o que está acontecendo com os outros barcos atrás de mim".
Razões para as colisões
Quais poderiam ser as causas para tantas colisões? Alex Thomson disse em sua mensagem final que, no caso de seu Hugo Boss, pode ter sido o descarte ou a perda de equipamentos de pesca que quebraram o leme. Icebergs são muito improváveis, pois normalmente não há gelo à deriva ao norte da AEZ (Zona de Exclusão Antártica) e a direção da regata confirmou recentemente por e-mail as atuais posições de gelo observadas por satélite — estão bem mais ao sul.
Contudo, na área ao sul do Cabo da Boa Esperança, correntes marítimas misturadas agitam bilhões de toneladas de água do mar; uma corrente quente vem do sul do Oceano Índico, desliza ao longo da costa de Moçambique e ali encontra as águas frias vindas da Antártica. Isto significa uma proliferação de mamíferos marinhos se alimentando. E é ainda uma área muito movimentada e utilizada pelo tráfego marítimo comercial. As ondas são frequentemente muito grandes, com mar confuso e caótico devido ainda à Corrente das Agulhas, que pode servir de hidrovia para contêineres e outros materiais indesejáveis perdidos no mar.
Transbordo de Kevin Escoffier
O diretor da Vendée Globe Jacques Caraës explicou o plano de Jean Le Cam, do Yes We Cam!, de se encontrar com a fragata da Marinha Francesa Nivôse, que está em serviço no Sul. Assim, Kevin Escoffier deixaria o barco e retornaria à França.
O plano depende muito do tempo, assim como da decisão de Jean Le Cam sobre qualquer desvio necessário.