Globe 40 no Brasil
Circum-navegadores
partem de Recife
Por Roberto Negraes
Penúltima etapa da regata de volta ao mundo da Classe 40 tem início na capital pernambucana
Depois de inaugurar a Recife Marina, no Centro da capital pernambucana, onde atracaram seus veleiros entre os dias 28 e 31 de janeiro, ao fim da sexta etapa da Globe 40, os participantes desta regata de volta ao mundo foram comemorar a premiação dos primeiros colocados no tradicional Cabanga Iate Clube de Pernambuco no dia 2 de fevereiro, uma quinta-feira.
No domingo seguinte, dia 5, após uma semana preenchida pelo preparo para a penúltima etapa da volta ao mundo, jantar de boas vindas e uma regata para convidados no Marco Zero da cidade, os veleiros Classe 40 despediram-se do Brasil, tomando o rumo de Granada, no Caribe. De lá, partirão para Lorient (França), ponto final desta competição realizada em duplas.
A sexta etapa
O barco anglo-americano Amhas foi o primeiro a finalizar, em Recife, esta perna extremamente difícil, iniciada em Ushuaia, no extremo sul da Argentina. Tendo o americano Craig Horshield como skipper e o inglês James Oxenham como tripulante, o AMHAS percorreu as 3.803 milhas desde o porto argentino em 20 dias e 10 horas. Apenas quatro barcos completaram o percurso.
Desde a largada de Ushuaia no domingo, 8 de janeiro, as equipes se depararam com uma situação inusitada na região da Patagônia, com vários dias de calmaria. Assim, os competidores tiveram de negociar o rumo norte, com ventos leves e estressantes.
O Milai separou-se dos demais graças a uma opção bem-sucedida para leste e abriu uma vantagem de cem milhas. Avanço que foi brutalmente interrompido na manhã do dia 12 de janeiro por um choque violento com um ófni (objeto flutuante não identificado). Com o barco seriamente danificado, embora sem feridos e fora de situação de perigo, a tripulação franco-japonesa (Masa Suzuki e Estelle Greck) parou no porto argentino de Mar Del Plata no dia 16 de janeiro. Lamentável, já que o Milai e seu skipper Masa Suzuki provaram, ao longo da Globe 40, seu favoritismo, com o maior número de vitórias desde Lorient.
Para as tripulações restantes, a subida ao largo da Argentina e do Uruguai foi uma fase instável com sucessão de zonas de calmaria, depressões, rajadas e, também, a presença de algo como cem barcos num raio de 30 milhas, constituindo um obstáculo impressionante e perturbador, considerando-se o impacto de tamanha flotilha sobre os recursos marinhos. Um episódio difícil para os competidores.
O pesadelo do Amhas em águas argentinas
Os tripulantes do Amhas narraram um dos momentos mais dramáticos e perigosos da sexta etapa da Globe 40, quando encontraram pela frente a barreira formada pela compacta flotilha de pesqueiros chineses atuando ao largo da costa argentina: "Perdemos muito terreno naquela noite porque tivemos que desviar de grandes barcos de pesca. Passamos por uma dúzia deles. Foi um pesadelo. Tivemos dois barcos desses (pode-se chamar de navios, com 90 m de comprimento!) em rota de colisão. Chamamos no rádio VHF. Nenhuma resposta. Ligamos novamente. Nenhuma resposta e, então, para piorar, eles desligaram seus AIS (sistema de identificação automática). O vento estava em mais de 20 nós, ondas grandes, navegávamos a 12-15 nós com o spinnaker. Precisávamos dar um bordo para fugir, mas não víamos como. Tínhamos pouco espaço para cruzar na frente de um deles, então tivemos que seguir com o spinnaker batendo e passar por trás. Outro perigo é que eles poderiam estar arrastando redes. O segundo desses navios, cruzamos pela frente, por pouco. Era como um jogo, não os víamos até que estivessem bem perto. Depois que passamos pelos barcos de pesca, estávamos a dez milhas de onde o Milai atingiu o ófni (provavelmente um contêiner). Tínhamos que sair daquele lugar! Desviamos e navegamos com uma brisa de 20 nós, fazendo 13-15 nós num rumo nordeste. De volta à rota e livres da flotilha pesqueira”!
Na sequência, os Classe 40 encontraram ventos mais favoráveis, até que, a 500 milhas de Recife, entraram nos alísios, embalando os veleiros até o final.
A nova Marina do Recife
Com o apoio da Federação Pernambucana de Vela (FPVela), do Cabanga Iate Clube de Pernambuco, da administração da cidade do Recife e da parceira Qair, a passagem da Globe 40 pela capital pernambucana marcou a inauguração da Recife Marina, inaugurada pela chegada do Amhas; são 250 vagas para barcos e um hotel, estrutura pra lá de conveniente para navegadores em trânsito e grandes eventos náuticos.
Dois passos para concluir a épica Globe 40
A etapa 7, em direção à ilha de Granada tem distância estimada em 2 mil milhas, a serem vencidas entre 8 e 10 dias. O campeão desta primeira Globe 40 provavelmente será conhecido apenas ao término da oitava e última etapa, a travessia transatlântica, na qual se prenuncia um duelo final entre os americanos do Amhas e os holandeses do Sec Hayai, separados atualmente por apenas dois pontos.
Classificação da 6ª etapa da Globe 40
Ushuaia – Recife
1º - Sec Hayai (Frans Budel / YsbrandEndt) - Holanda
2º - Gryphon Solo 2 (Joe Harris / Roger Junet) - EUA
3º - Amhas (Micah Davis / Craig Horsfield) - EUA
4º - Whiskey Jack (Mélodie Schaffer / Tom Pierce) - Canadá
DNF (não terminou) - Milai (Masa Suzuki / Estelle Greck) - Japão
Abandonaram: The Globe en Solitaire (Éric Grosclaude) e IBN Battouta Tribute 2022 (Simon Boussikouk / Omar Bensenddik)
A flotilha chinesa de pesca
“Flotilha da Morte”: é assim que ONGs de proteção marinha vêm chamando a frota estimada em mais de 2.500 embarcações pesqueiras da China, que habitualmente ignoram leis internacionais e avançam em ZEEs (zonas econômicas especiais), onde a atividade é vetada a pesqueiros estrangeiros.
Já presente na América do Sul, com uma base de apoio no Uruguai, a Flotilha da Morte provoca imenso impacto ambiental e rombo na economia pesqueira de nações menores desprovidas de condições para afastar a grande quantidade de barcos que se concentram em locais específicos causando uma devastação inacreditável, e que cresce assustadoramente.
Além de todo o prejuízo ambiental e econômico, surge agora o risco de embates. Em grupos de dezenas e até centenas de navios e traineiras reunidos em pequenas áreas, como foi observado pelos velejadores da Globe 40, a Flotilha da Morte “limpa” o fundo do mar. O litoral da Argentina é um dos mais visados.
Os comandantes dos pesqueiros chineses são bastante agressivos, chegando a investir contra navios de outras bandeiras (geralmente, do próprio país em cujas águas estão pescando ilegalmente), e acredita-se que haja entre eles barcos armados para lhes dar cobertura. Recentemente, um pesqueiro chinês investiu contra um barco brasileiro em águas internacionais no Nordeste. No Equador, um navio chinês foi apresado por um navio de guerra equatoriano quando pescava em reserva das ilhas Galápagos, depois de uma centena de pesqueiros invadirem o local. A própria Marinha argentina já capturou um deles, mas o assédio marítimo de pesca continua.