Fastnet Race 2023

Fastnet Rock: ponto mais ao sul da Irlanda marca o meio da regata, a partir de onde os barcos da Rolex Fastnet Race — que completará 100 anos em 2025 — retornam, rumo à linha de chegada. Foto: © Rolex - Carlo Borlenghi

Clássico

dos clássicos

Por Roberto Negraes

Francês e suíço brilham na 50ª edição da mais festejada regata inglesa

O francês François Gabart estabeleceu um novo recorde em multicascos e foi o fita azul da regata, com seu trimarã de classe Ultim SVG Lazartigue, enquanto a vitória na classificação geral foi para o monocasco Botin 52 Caro, do suíço Max Klink, na 50ª edição da consagrada Rolex Fastnet Race.

O SVR Lazartigue completou em 1 dia, 8 horas, 38 minutos e 27 segundos o percurso de 695 milhas náuticas (1.287 km) de Cowes (Inglaterra) a Cherbourg-en-Cotentin (França), contornando o rochedo Fastnet Rock (o lugar mais ao sul da Irlanda) e seu famoso farol. Com isto, bateu por 36 minutos e 27 segundos o recorde anterior, estabelecido em 2021 por seus compatriotas Charles Caudrelier e Franck Cammas no máxi Edmond de Rothschild.

Quando ficou confirmado que nenhum outro barco poderia alcançar o barco suíço, Max Klink e sua tripulação comemoraram intensamente a vitória. O fato de as primeiras doze horas da regata terem sido muito difíceis, com rajadas de vento por volta dos 40 nós (74 km/h) e mar muito agitado na costa sul da Inglaterra, tornou a vitória ainda mais prazerosa para Klink e sua tripulação.

“Este é um grupo de velejadores com quem tenho a sorte de navegar há alguns anos, mas quando partimos para esta regata, não esperava que pudéssemos vencer. É um sonho tornado realidade, e ainda mais especial já que esta é a 50ª edição de uma corrida tão icônica”, disse o proprietário do Caro, enquanto contemplava, gravados na base do troféu da regata, os nomes dos campeões das outras edições da Fastnet, que é disputada a cada dois anos  e celebrará 100 anos de existência na sua próxima edição, em 2025.

Fotos: © Carlo Borlenghi ( Rolex), Kurt Arrigo ( Rolex) e Paul Wyeth

Flotilha recorde de 430 veleiros largou sob mau tempo

Apesar do mau tempo, a costa do estreito de Solent, na Inglaterra, ficou lotada de espectadores para assistir, no início da tarde de sábado 22 de julho, à largada da Rolex Fastnet Race, a maior regata offshore da Europa, que neste ano de 2023 foi realizada pela 50ª vez, pelo Royal Ocean Racing Club. Na raia, nada menos que 430 veleiros, superando o recorde de participação de 388 barcos em 2019.

As condições de tempo eram de tempestade, com céu densamente nublado e uma garoa que se transformou em chuva e neblina. O mar, muito agitado, atingiu os competidores com força ao saírem para o mar aberto depois do arquipélago existente naquela região.

Porém, como sempre, foi um espetáculo inesquecível para os presentes a partida dos trimarãs Ultim (Banque Populaire XI e SVR Lazartigue), seguidos pelo multicasco Mod 70 Zoulou e os Imoca, literalmente voando baixo à frente da flotilha.

Entre os 29 barcos da classe Imoca inscritos, o Macif Santé Prévoyance de Charlie Dalin, vencedor em 2021, liderava ao lado do Charal de Jérémie Beyou, com o Initiatives Cœur, da inglesa Samantha Davies, em terceiro, para alegria da torcida local. Uma observação: todos os Imoca tinham um tripulante, além do comandante.

Os Ultim deixaram a costa em diferentes rumos —um próximos à costa, outro abrindo para o mar, ficando impossível dizer qual deles estava melhor.

Na flotilha IRC, o veleiro com a então melhor classificação, o Lucky, do americano Bryon Ehrhart, teve um bom desempenho, apesar de largar cerca de 30 minutos atrasado. Às 18 h, o barco já estava ao lado do líder Imoca, embora navegando um nó mais lento.

Os barcos menores (como os Classe 40), últimos a receberem o tiro de largada, encontraram as piores condições com o início da maré vazante.

Vídeo da largada

A tempestade

A primeira noite no mar foi de condições muito duras, principalmente para os barcos pequenos, levando a 86 abandonos oficiais —78 da flotilha IRC, dois Classe 40, dois Imoca, três multicascos Mocra e um Ocean Fifty. Muitos buscaram abrigo em baías costeiras, aguardando melhores condições no Canal da Mancha. Os ventos chegaram a 38 nós (70 km/h), com rajadas de 43 (79 km/h). A tripulação do J/120 Scream II chegou a relatar ventos de 46 nós (85 km/h).

A guarda costeira inglesa relatou 28 incidentes, incluindo um naufrágio, sobre o qual o comitê de regata da Rolex Fastnet Race emitiu uma nota: “...ontem à tarde, a tripulação do Vari, de 36 pés (11 m), pediu ajuda, o barco estava fazendo água. Graças à rápida resposta dos serviços de emergência, os dois tripulantes foram resgatados e estão bem. O veleiro afundou”.

Vários dos pedidos de ajuda eram relacionados a tripulantes feridos por quedas ou pancadas na cabeça. Quatro veleiros perderam o mastro. Além disso, ocorreram quebras de leme, de estais e encalhes.

O barco Quailo 3 enfrenta as duras condições do primeiro dia da regata, que teve 450 inscritos. Vários abandonaram e houve um naufrágio. Foto: © Paul Wyeth - pwpictures.com

Primeiros a rondar o Fastnet Rock

O trimarã SVR Lazartigue foi o primeiro barco a contornar o Fastnet Rock, às 8h15 (horário local). Após uma noite em que estiveram navegando a velocidades entre 26 e 30 nós (48 e 55 km/h) contra o vento, a rota escolhida pelo skipper François Gabart rendeu uma vantagem de 15 milhas (27 km) sobre o Banque Populaire XI do também francês Armel Le Cléarc’h —os dois skippers já foram vencedores da regata de volta ao mundo em solitário Vendée Globe. O tempo decorrido até lá foi de 19 horas, 4 minutos e 31 segundos, e com isso ficou mantido o recorde de multicascos desde a largada em Cowes até Fastnet Rock, estabelecido na regata de 2019 pelo máxi-trimarã Edmond de Rothschild, de 18 horas, 3 minutos e 38 segundos.

Bem mais tarde, pouco antes das 21 h (local), o monocasco americano Lucky, de 88 pés (26,8 m, o maior barco participante na 50ª Rolex Fastnet Race), liderava a flotilha ao contornar o farol sete milhas (13 km) à frente do primeiro Imoca, então o Paprec Arkea, com o Macif nove milhas (16,5 km) atrás.

Na manhã seguinte, os ventos diminuíram, causando um “achatamento” da flotilha. Com isso, o Lucky ficou entre dois trimarãs da classe Ocean Fifty e foi ultrapassado pelos Imoca Paprec Arkea e Macif.

O atual campeão da classe Mocra, o catamarã Allegra, de Adrian Keller, contornou Fastnet Rock seguido pelo Tosca de Ken Howery e o restante da flotilha Imoca.

Digna de nota a presença e desempenho das três mulheres skippers que ocupavam da quinta à sétima posições entre os barcos da classe Imoca — a inglesa Sam Davies com o francês Nicolas Lunven, no Initatives Cœur; a francesa Justine Mettraux com seu compatriota Julien Villion no Teamwork; e a também francesa Clarisse Cremer com o britânico Alan Roberts no L'Occitane en Provence.

Pouco antes da meia-noite, o veleiro VO65 polonês Wind Whisper estava em segundo lugar no IRC Super Zero ao contornar Fastnet Rock, mas liderava a classe geral IRC, à frente do VO65 Team Jajo, arrendado da equipe holandesa da Ocean Race pelo americano Clarke Murphy.

Pela manhã, outra mulher dos Imoca, a inglesa Pip Hare, com o também inglês Nick Bubb, a bordo do Medaglia, contornou Fastnet Rock. A dupla comunicou que teve um sério problema com uma vela, que rasgou, e perdeu muito tempo aproando ao vento para conseguir parar o barco e trocá-la: “Com rajadas acima de 40 nós (75 km/h), as ondas eram enormes, mas este barco foi feito para coisas assim. Estava até agradável, de repente eu me vi sorrindo e pensei 'Hummm, você é estranha!'”, contou Pip Hare.

Na IRC Zero, o suíço Caro liderava com boa vantagem, sendo o primeiro ao contornar o rochedo Fastnet à frente dos ingleses Warrior Won (PAC 52, de Chris Sheehan) e Teasing Machine (NMYD 54, de Eric de Turckheim).

Liderando a Classe 40, estava o italiano Ambrogio Beccaria, no comando do Alla Grande Pirelli, seguido pelo La Boulangère Bio, da skipper francesa Amélie Grassi, a mulher mais bem colocada em todas as classes. Os 18 barcos restantes da classe 40 (quatro já haviam abandonado) estavam em um grupo bem compactado.

Fotos: © Carlo Borlenghi ( Rolex) e Kurt Arrigo ( Rolex)

Mais calma na tarde do segundo dia

Depois de 24 horas muito duras, as condições melhoraram no Canal da Mancha e no mar entre Inglaterra e Irlanda. Durante à tarde de domingo, o vento estava em 17 nós, caindo para 15 nós durante a noite.

O Imoca Paprec Arkea trabalhou bem durante a noite, conquistando lentamente uma vantagem de 11 milhas (20 km) sobre o Macif. Quatro Imoca destacavam-se atrás dos líderes, entre eles Jérémie Beyou no Charal e, de forma supreendente, também o britânico Sam Goodchild, praticamente um estreante na classe, levando o For the Planet em solitário depois que seu companheiro, o francês Thomas Ruyant, machucou-se a ponto de ser necessário resgate, durante a tempestade.

Entre as duplas da classe Imoca que se destacaram na regata incluem-se Sam Davies e Nicolas Lunven (Initiatives-Cœur), Clarisse Crémer e Alan Roberts (L'Occitane en Provence), além de Justine Mettraux e Julien Villion (Team Work), todos terminando quase juntos, a 26 minutos do líder, para garantir uma vaga nos “top 5”.

Após uma batalha acirrada com os Imoca, o 88 pés Lucky de Bryon Ehrhart perdeu, por apenas 15 minutos, a fita azul dos monocascos para o Macif Santé Prévoyance, de Charlie Dalin e Pascal Bidegorry. Com tripulação liderada por uma lenda da America's Cup, o neozelandês Brad Butterworth, o barco americano tentou de tudo, incluindo virar para leste ao norte das Ilhas do Canal, enquanto os Imoca preferiram o lado sul.

Ao término da regata, Ehrhart declarou: “Foi realmente impressionante ver de perto do que os Imoca são capazes. Esta regata foi uma experiência incrível. As condições logo após a largada estavam horríveis e este barco nunca havia corrido com uma vela de proa J6 e três rizes na vela principal antes. Usamos tudo que tínhamos para manter o barco inteiro, mas logo saímos da fase de sobrevivência e entramos de fato na competição. A regata foi muito, muito boa. Para mim, contornar Fastnet Rock pela segunda vez foi muito especial”.

Fotos: © Carlo Borlenghi ( Rolex), Paul Wyeth, Rick Tomlinson e Team Zoulou

O duelo dos Ultim

Os trimarãs Ultim medem 32 m de comprimento, 23 m de boca e são de longe os maiores e mais rápidos barcos de regata offshore do planeta. Apenas dois disputaram esta Fastnet Race —o fita azul SVG Lazartigue e o Banque Populaire.

Depois de intensa disputa entre a Fastnet Rock e a cidade de Cherbourg, na Normandia, a disputa entre os dois Ultim foi definida quando o para-brisa de vidro que protegia o posto do leme de bombordo do Banque Populaire foi quebrado por uma grande onda, resultando num corte profundo na cabeça do skipper Armel Le Cléac'h. Isto ocorreu já próximo da costa francesa, término da regata.

Le Cléac’h relatou: “Havia muito sangue, então reduzimos a velocidade do barco por 20 ou 30 minutos porque não sabíamos o quão sério era meu ferimento. Ganhei um grande curativo, minha cabeça ficou parecendo um ovo! Depois disso, o sangramento parou e decidimos continuar, mas era difícil pilotar o barco, porque não tínhamos proteção a bombordo. Usamos o piloto automático, mas não foi bom nas ondas grandes.”

Os dois únicos trimarãs Ultim na disputa da 50ª Rolex Fastnet Race, os maiores e mais velozes barcos nesta regata. Foto: © Rolex - Carlo Borlenghi

Classe Imoca

A 50ª Rolex Fastnet Race foi particularmente emocionante para as 29 duplas concorrentes na classe de monocascos Imoca. A batalha pela vitória foi acirrada, ensejando disputas praticamente lado a lado, como visto no duelo à frente da flotilha entre as duplas francesas Yoann Richomme - Yann Eliès no Paprec Arkéa e Charlie Dalin - Pascal Bidégorry no Macif Santé Prévoyance. Esta última acabou vitoriosa, mas cruzou a linha de chegada em Cherbourg-en-Cotentin com apenas quatro minutos de vantagem sobre a rival.

A terceira posição entre os Imoca foi uma surpresa, com o barco For The Planet, comandado por Sam Goodchild. Obrigado a terminar a regata sozinho depois do acidente com Thomas Ruyant e mesmo com a parada para socorro ao companheiro, ele conseguiu um lugar no pódio. “Não foi bem o que esperávamos, então o terceiro lugar ficou bom!”, contentou-se o inglês.

Foto: © Paul Wyeth - pwpictures.com

Classe 40

Duas equipes italianas, que lideram o campeonato anual da Classe 40, destacaram-se na classe: o Alla Grande Pirelli de Ambrogio Beccaria, com boa vantagem, e o IBSA, de Alberto Bona, na oitava posição —o IBSA venceu recentemente a regata Les Sables-Horta-Les Sables, estabelecendo um íncrível recorde de singradura (distância percorrida em 24 horas) de 430 milhas (796 km), navegando a favor do vento a 25-30 nós.

Após uma acirrada competição, a vitória na classe 40 foi para o Everial, do skipper francês Erwan Le Draoulec (vencedor da última Mini Transat). Sua jovem tripulação de quatro integrantes (completada por Julien Herey, Pep Costa e Robin Follin), com idade média de apenas 26 anos, cruzou a linha de chegada com o tempo de 3 dias 10 horas 22 minutos 2 segundos, superando por apenas 5 minutos e 23 segundos o recorde estabelecido em 2021 pelo Palanad, de Antoine Magré (3 dias 10 horas 27 minutos 25 segundos).

Foto: © Rolex - Carlo Borlenghi

Os primeiros colocados na 50ª Rolex Fastnet Race

Ultim 32/23 (multicasco)

1º. SVR Lazartigue - François Gabart (França)

2º. Banque Populaire XI - Armel Le Cléac'h

Ocean Fifty (multicasco)

1º. Le Rire Médecin Lamotte - Luke Berry (Inglaterra)

2º. Viabilis - Pierre Quiroga (França)

3º. Petit Cœur de Beurre - Matthieu Perraut (França)

Mocra (multicasco)

1º. Allegra - Rob Grimm (Suíça)

2º. Tosca Gunboat - Ken Howery (EUA)

3º. Lodigroup - Loïc Escoffier (França)

Imoca 60

1º. Macif Santé Prévoyance - Chalie Dalin (França)

2º. Paprec Arkéa - Yoann Richomme (França)

3º. For the Planet - Sam Goodchild (França)

IRC Geral

1º. Caro (CAY 52) - Max Klink (Suíça)

2º. Team Jajo (VO 65) - Clark Murphy (EUA)

3º. Warrior Won (PAC 52) - Chris Sheehan (EUA)

IRC Super Zero

1º. Team Jajo (VO 65) - Clark Murphy (EUA)

2º. Wind Whisper (VO65) - Pablo Arrarte (Polônia)

3º. Lucky (27 m, quilha basculante) - Byron Ehrhart (EUA)

IRC Zero

1º. Caro (CAY 52) - Max Klink (Suíça)

2º. Warrior Won (PAC 52) - Chris Sheehan (EUA)

3º. Albator (NMD 43) - Philippe Frantz (França)

IRC 1

1º. Pintia (J133) - Gilles Fournier/Corinne Migraine (França)

2º. Sunrise III (JPK 11.80) - Tom Kneen (Inglaterra)

3º. Dawn Treader (JPK 11.80) - Ed Bell (Inglaterra)

Classe 40

1º. Everial - Erwan Le Draoulec (França)

2º. Dékuple - Willian Mathelin-Moreaux (França)

3º. Influence 2 - Andrea Fornaro (Itália)

Fotos: © Arthur Daniel, Carlo Borlenghi ( Rolex), Nicolas Touzé, Paul Wyeth e Rick Tomlinson