Fabian Fernandez

Jornada marítima e espiritual

de um homem comum

Por Roberto Negraes

Primeiro circum-navegador malaio no Brasil, Fabian Fernandez fala de sonho e de vida

Com 53 anos de idade, o navegador malaio Fabian Fernandez chegou ao Brasil cumprindo mais uma etapa de seu maior sonho: uma viagem de volta ao mundo com o objetivo de, como deixou muito claro nesta entrevista, “viver a vida!”:

Vindo de Port Klang, na Malásia, Fabian chegou a Salvador comandando seu veleiro Destiny (de bandeira malaia). Primeiro circum-navegador de sua nacionalidade a aportar no Brasil, ele conta: “No total, passei seis anos em navios mercantes, navegando ao redor do mundo como engenheiro. O mar passou a ser uma referência de vida para mim, mas parei de trabalhar nos navios porque queria estar com minha família quando meu filho nascesse. Depois, surgiu o sonho de viajar de veleiro pelo planeta”.

Na verdade, Fabian, que refez no sentido inverso a viagem de Vasco da Gama —o português que colocou o sul da Ásia na rota comercial do mundo na idade média— e agora está realizando o restante de sua viagem de volta ao mundo, decidiu passar pelo Brasil graças ao BRally, uma organização criada pelo velejador Silvio Ramos, com o objetivo de auxiliar e estimular velejadores estrangeiros a vir ao Brasil.

Como surgiu esse sonho?

Comecei esta jornada porque entendi a fragilidade da vida, após o falecimento de minha cunhada, isso criou em mim o sentimento de que a vida é muito curta para sair por aí perseguindo as coisas materiais. Percebi que a vida pode ser mais que dinheiro, carreira, etc.. Todos nós precisamos encontrar o significado do papel que temos aqui.

E o que está encontrando em sua jornada?

Sempre digo: “Nascemos sem nada e morreremos sem nada”. Como o dinheiro, os títulos são irrelevantes, mas as memórias que teremos no final farão de nossas vidas algo que valeu a pena. Penso que, do modo como estou realizando este sonho agora, não terei arrependimentos depois. Esta foi a razão para eu partir.

Viajar em veleiro é algo caro, demanda um esforço financeiro. Como vê esse lado?

Sei que muitos vão falar que precisa de muito dinheiro. Não se trata só de navegar para atingir uma paz interior. Podemos conseguir qualquer coisa na vida a que nos dediquemos. E com meu amor ao mar, foi o objetivo que escolhi, com muito esforço. Porque no final, um dia todos partiremos sem nada. Então, o jeito é VIVER A VIDA!

O que significa navegar?

Velejar é lindo, porque há liberdade quando estou lá fora, em alto-mar. Sempre me senti ligado ao mar. Navegar nos mostra o quão pequenos somos no universo! Podemos observar as maravilhas da natureza e a grandeza de Deus!

Como se preparou para a viagem?

Ganhei experiência no meu trabalho na marinha mercante, e aprendi a estudar os padrões do vento e do clima. A previsão do tempo que uso está em um aplicativo online chamado PredictWind. É muito bom para roteamento e para fins de planejamento. Eu também uso livros, principalmente de Jimmy Cornell (autor do World Cruising Routes e fundador do World Cruising Club) para ter uma visão panorâmica de todo o percurso.

 

E o Destiny, seu veleiro?

Gastei muito tempo para preparar o barco, que foi construído para regatas, e não para travessias oceânicas. Comprei de segunda mão de outra pessoa e passei cinco anos me dedicando a preparar a viagem. Deixar um veleiro pronto para uma viagem de circum-navegação custa muito dinheiro. Não deu para fazer de uma vez, precisei ir aos poucos. Também tinha de garantir meus filhos na universidade. Não sou patrocinado por ninguém, então esta é a MINHA jornada.

Como é para você o desafio de circum-navegar o mundo?

Eu diria que o maior desafio é quando decidimos partir. Na terminologia da navegação, significa abandonar as linhas que nos prendem ao pontão. Em qualquer área do esporte, o medo do desconhecido é o mais difícil de desviar, mas bons atletas ou trabalhadores aproveitam essa dificuldade e se esforçam para superar.

Antes da viagem, a preparação foi intensa. Especialmente para passar pelo Canal de Moçambique, li muitos livros sobre os marinheiros que fazem essa rota. Também assisto o YouTube e vejo as previsões meteorológicas. A preparação para o Oceano Índico foi a mais longa, pois foi a minha primeira travessia oceânica e o Índico é sempre considerado o mais difícil dos oceanos.

A maioria dos outros que partiram do meu país não seguiram a rota sul, contornando o Cabo da Boa Esperança. Três foram pelo Mar Vermelho e Mediterrâneo. O outro navegou pelo Oceano Austral [Antártico], de oeste para leste. Falei apenas com esta última pessoa mencionada.

O que representa a viagem para você?

Esta é uma jornada espiritual para mim. Busco respostas dentro de mim. Faço anotações e as mantenho no meu telefone. E por fim, há um livro a ser escrito. Não será sobre como velejar, porque há bastante sobre esse assunto por aí. Quero escrever algo para motivar outras pessoas a perseguir seus sonhos e a buscar a paz interior. Essas são duas coisas que me motivam e me fazem querer ajudar os outros a verem seu potencial.

Qual o momento mais memorável da viagem?

O momento mais inesquecível para mim foi meu discurso, que proferi no Point Yacht Club, em Durban. Tive uma recepção calorosa e recebi agradecimentos depois da minha palestra. Não disse uma única palavra sobre velejar, mas sim sobre perseguir sonhos e vivenciar a vida.

Por onde esteve até chegar ao Brasil?

Até agora, estes são os portos de escala: ilhas Maldivas; Seicheles; Tanzânia; Inhambane (Moçambique); África do Sul (Richards Bay, Durban, Knysna, Hout Bay e Cidade do Cabo), Luderitz (Namíbia); Santa Helena; e Salvador, meu porto de chegada no Brasil.

Na ilha atlântica de Santa Helena, fiz uma manutenção. É um lugar difícil, ancorei a 20 m de profundidade. Mas foi tudo bem. Inclusive, fui recebido pelo governador da ilha, e dei uma bandeira do meu país de presente para ele.

 
 

O que planeja aqui a partir de agora?

Bem, meu primeiro porto foi Salvador, cheguei aqui em março. Está sendo excelente o apoio do BRally, os organizadores foram muito prestativos ao responder perguntas. Muitos dos voluntários são navegadores, assim, eles entendem as dificuldades que os velejadores enfrentam. É um passo na direção certa, estabelecerem contatos com o governo para adiantar os processos de entrada de estrangeiros e torná-los menos difíceis. Vou recomendar para todos os navegantes.

Pretendo conhecer o interior do Brasil agora em abril. Em maio, partirei de Salvador para João Pessoa e Fortaleza. Em seguida, virão a Guiana Francesa, Trinidad, Granada, Curaçao, Aruba e o Panamá. Planejo estar lá em julho, já no lado do Pacífico. O Destiny ficará ancorado por lá e vou visitar minha família antes de retornar, para a travessia do Pacífico em 2025.

Estou triste por não poder viajar por mais tempo, pois minha circum-navegação é um exercício bastante caro para ser realizado por conta própria e, portanto, pretendo acelerar as travessias para minimizar os custos.

Posso concluir dizendo que uma das coisas importantes desta minha circum-navegação é mostrar a todos que a vida é para ser vivida. Nunca desista, sempre perceba a força que existe dentro de todos nós. Devemos sair da nossa zona de conforto e aprender a ir aos extremos. Viva a vida!

 Sobre o BRally

Aproveitei para ouvir Silvio Ramos, experiente velejador com muitos cruzeiros realizados, inclusive uma volta ao mundo, e responsável pela criação do BRally, entidade dedicada a auxiliar navegadores estrangeiros. Para Silvio, é um orgulho receber o primeiro navegador malaio a vir ao Brasil e lhe oferecer apoio: “Temos tido muito contato e auxiliado na medida do possível, já que é o primeiro circum-navegador da Malásia a nos visitar. O BRally é como um farol, atraindo veleiros de cruzeiristas em suas viagens em volta do mundo, para virem conhecer e viajar ao longo da costa brasileira. Assim, nossa entidade visa incluir o Brasil na rota dos circum-navegadores, já que, nos dias atuais, é muito significativo o número de barcos particulares viajando pelos oceanos de todo o mundo. Procuramos atraí-los para visitarem o Brasil.”

Como vocês divulgam esse trabalho?

A divulgação acontece naturalmente através de grupos de velejadores de todo o mundo, graças a recomendações dos navegadores que já foram atendidos por esta entidade brasileira. Graças ao apoio oferecido, velejadores dos mais diversos países têm procurado o Brasil como um de seus destinos, o que era raro há não mais de três anos. O BRally é muito mais divulgado fora do Brasil, já que é voltado justamente aos velejadores estrangeiros.

Para você ter ideia dos resultados, até 2021 vinham de 10 a 15 barcos particulares por ano ao Brasil. A partir do trabalho do BRally, em 2023 vieram 160 veleiros de vários países nos visitar. Este ano já estão no Brasil ou no rumo de nossa costa, de 40 a 60 barcos.

Como age o BRally?

O BRally tem um homesite que permite o registro dos navegantes que tomam conhecimento das vantagens oferecidas aos participantes. Existem vários grupos que o interessado pode entrar: um grupo para quem planeja viajar ao nosso país este ano, outro para quem quer vir nos próximos anos, mais um dos voluntários e um grupo de ajuda. Os navegadores são atendidos atualmente por trinta voluntários para ajudá-los a contornar a burocracia exigida para um barco estrangeiro e seus ocupantes visitarem as águas brasileiras, bem como auxiliá-los a solucionar problemas relacionados a uma eventual manutenção do barco, mais indicações de lugares para visitar e a infraestrutura existente em diversos pontos da costa. Nossos voluntários estão espalhados pela costa brasileira de norte a sul.

Roberto Negraes