Mordomia sem Limites

Portofino, Itália. Foto: Ricardo Gomez Angel/Unsplash

Portofino, Itália. Foto: Ricardo Gomez Angel/Unsplash

Breve introdução ao

maravilhoso mundo dos iates

Como operam os fantásticos barcos dos multimilionários

   Sabemos que o Iatismo é um dos tipos de lazer mais caros que existem, e a partir de certo ponto passa a ser realmente considerado um luxo. Para que este privilégio lhe traga todo o conforto e bem estar que seu dinheiro possa comprar, é necessário que além do barco, você conte com a quantidade de tripulantes que permita a operação não só da embarcação, no sentido de ir e vir e de conservá-la muito bem, como também do serviço de bordo, para atender plenamente suas necessidades no dia a dia e assegurar o próprio status de possuir um barco que represente seu modo de vida em relação a sua familia, amigos e seus iguais do mundo dos negócios.

   Pode parecer algo fútil e desnecessário, mas quem não gostaria de estacionar uma bela Ferrari à porta do seu restaurante preferido? Assim é com o iatismo de forma geral. Ou as pessoas vão à conhecida “Praia do Dentista” no sábado de Carnaval apenas pelo lindo visual da Ilha Gipoia ou o som das ondas quebrando na praia? Quem conhece o lugar — para quem não conhece, fica em Angra dos Reis — sabe que o som percebido é o de altíssimos decibéis emitidos por dezenas de barcos ao mesmo tempo, num quadro de caos total, onde cada um exibe o que possui, seu modo de vida, suas belas companhias e o que bebe a bordo.

   Para que se possa desfrutar da vida em alto estilo a bordo de um iate — e me refiro a um calmo fim de semana numa enseada tranquila e semideserta, onde o canto dos pássaros ainda possa ser ouvido em harmonia com a natureza —, é necessário aproveitar o tempo ao máximo, sem ter de sair da água para buscar o que comer e beber; ou, se resolvermos passear de SUP, que não seja preciso inflá-lo e carregá-lo até a popa do barco. Para isto, a tripulação é a grande ferramenta para que tudo aconteça da melhor maneira possível.

   Nas embarcações de menor porte, muitas vezes não há tripulantes fixos, e o dono pilota o próprio barco, utilizando a família e os amigos como tripulantes. Muitas vezes, contrata pessoas para realizar a limpeza do barco durante os períodos de inatividade, se esse trabalho não é feito pela marina onde guarda o barco. O serviço de bordo se restringe a uma ou duas caixas térmicas abastecidas de bebida e comidas prontas, alguns embutidos e um espumante para o cair da tarde.

   Conforme o porte do barco sobe, a necessidade de manutenção e limpeza permanentes obriga que se tenha um responsável, a quem se chama genericamente de “marinheiro”. Este único tripulante cuida de um barco de trinta e poucos pés, mas às vezes alguns bem maiores que isto, atendendo solitariamente a quantas pessoas vierem a participar do passeio. Aqui, a relação passageiro/tripulante, ainda é negativa.

   À medida que o barco se aproxima da categoria iate — digamos, a partir dos 60 pés —, passa a ser necessário um padrão melhor de profissional e os tripulantes “ajudantes” não são mais um luxo, e sim uma necessidade, sendo dois o seu número ideal. A quantidade de tripulantes mais do que dobra dos 30 para os 60 pés, quando a relação fica em torno de seis passageiros para três tripulantes, ou 2/1. Na casa dos 80 pés, são necessários, no mínimo, três (bons) tripulantes: um capitão, um ou dois auxiliares de convés e outro interno, que faça a arrumação de todos os ambientes e cabines e ainda cuide da cozinha. 

   Quando o barco chega aos 90 ou 100 pés, quatro passa a ser o número mínimo de tripulantes. Agora, as manobras são mais complexas, o serviço de bordo passa a exigir mais qualidade e eficiência. Além disso, com um barco mais confortável, chegam equipamentos mais sofisticados e um homem que atue como “coringa”, cuidando da manutenção e apoiando as outras áreas se torna necessário. A relação se mantém estável, pois um barco destes comporta mais passageiros, e temos 10 ou 12 passageiros para quatro tripulantes; ou, simplificando, três para cada um, e a piora nos serviços é inevitável, a não ser que se tenha um quinto tripulante, extra, para os dias de barco cheio.

   Ao atingir 120 ou 140 pés de comprimento, o barco passa à categoria dos superyachts, e o número de tripulantes praticamente dobra. Oito ou nove tripulantes ganham serventia: um capitão, um chefe de máquinas (ou encarregado de manutenção, como queira), um cozinheiro, um auxiliar de copa e bar, duas pessoas para arrumação interna, e duais ou três para o convés e barcos de apoio.

Trabalho de tripulação de um megaiate em Malta. Foto: Alvaro Otranto

Trabalho de tripulação de um megaiate em Malta. Foto: Alvaro Otranto

   Subindo mais um degrau na escala do iatismo, chegamos aos megayachts, algo em torno dos 160 a 180 pés. Aqui, a relação passageiros/tripulantes empata ou se torna positiva, pois somente 12 convidados são atendidos por um mínimo de 16 tripulantes. Deve-se levar em consideração que muitos desses barcos operam em Charter e, portanto, o grau de exigência é muito maior. Nenhuma falha de serviço pode nem será tolerada por alguém que está pagando uma pequena fortuna por dia de uso de um barco desses. Mesmo que assim não fosse, não há armador que invista em seu prazer tanto quanto o necessário para ter um megayacht que se conforme com nada menos do que a perfeição.

   Agora, se quiser saber como os aproximadamente 40 afortunados do planeta que possuem barcos acima das 3 mil toneladas de arqueação (mais de 300 pés de comprimento) vivem a bordo, saiba que apesar das dimensões, essas embarcações transportam apenas 12 passageiros e que o número de tripulantes que os atende bate fácil a casa dos 50! Você leu corretamente: nesses barcos, a relação é de quatro tripulantes para cada passageiro, e isto se chama, rigorosamente, levar uma vida de rei! Não raro, esse número pode chegar ao dobro, dependendo do calibre do armador, padrão “rei da Arábia Saudita”.

   Já alguns dos proprietários de gigayachts não têm unicamente um barco, e costumam organizar escritórios para administrar sua pequena frota de iates, que selecionam, contratam e distratam tripulantes. Cuidam das escalas de férias, dos salários, auxílios vários, fornecimento de uniformes, passagens e traslado destes, além de todas as obrigações trabalhistas necessárias. Um exemplo é o da centena de tripulantes contratados pela Golden Fleet, constituída de três barcos: um gigayacht de 80 metros (262 pés); um trawler de 67 metros (219 pés) que transporta inúmeros brinquedos e barcos de apoio, incluindo um pequeno hidroavião; e um barco de 29 metros (96 pés) destinado exclusivamente à pesca esportiva.

   Sabemos, porém, que não estamos tratando de uma ciência exata e que as estruturas variam de barco para barco. A quantidade de tripulantes vai depender do grau de envolvimento do proprietário no dia a dia do barco, do padrão de serviço que ele deseja para si, do número, finalidade e padrão de convidados que pretende receber, o local onde vai navegar e muito mais, sem falar, principalmente, na disponibilidade de capital para fazê-lo.

   Voltarei a este inebriante assunto, e de preferência para nossas próprias águas, onde este tipo de embarcação aparece muitíssimo raramente. Veremos os motivos que levam estes afortunados a se afastar destes mares. Bons e maus motivos não faltam, infelizmente.