Marés

O vai e vem

das águas

Por Marcio Dottori

Foto: Rafael Kellermann Streit - Unsplash

Foto: Rafael Kellermann Streit - Unsplash

Quem navega tem de ficar de olho no sobe e desce das marés, para não encalhar e, se acontecer, saber quando e como soltar o barco

Todo mundo que vai para o litoral percebe que, nas praias e canais ligados a elas, o nível das águas varia — algumas vezes a faixa de areia é bem larga, enquanto em outras ocasiões as águas sobem tanto que a praia quase desaparece. Essa variação e a consequente correnteza que provoca chama-se maré.

Quem guarda o barco em clube ou marina no interior de rios e canais tem de observar as marés, porque, quando baixam, pode não ser possível navegar na barra. E, no caso de o barco encalhar, é importante conhecer o movimento das águas para auxiliar no desencalhe. Também pescadores experientes sabem que o fluxo das águas é fundamental para o sucesso da pescaria. Daí a importância de ler a tábua das marés.

Se dentro de uma baía ou de um canal, colocarmos uma régua graduada em algum ponto de águas calmas (sem ondas), veremos que na maioria dos dias a variação do nível é cíclica: as águas passam de um máximo (preamar) para um mínimo (baixa-mar) e vice-versa aproximadamente a cada 6 horas e 12 minutos. Este período corresponde a um quarto (1/4) de dia lunar, que tem 24 horas e 50 minutos. Daí, a conclusão de que a lua exerce grande influência sobre as marés.

Foto: Filmplusdigital- Unsplash

Foto: Filmplusdigital- Unsplash

É fácil verificar que nas semanas de lua cheia e de lua nova a amplitude (variação entre uma preamar e uma baixa-mar ou vice-versa) é maior que durante as fases de quarto crescente ou minguante. Marés de grande amplitude (que ocorrem por ocasião de lua cheia e lua nova) são chamadas de marés de águas vivas ou de sizígia. Já as de menor amplitude (quarto crescente ou minguante) são as marés mortas ou de quadratura.

A influência da Lua, e também do Sol, na massa líquida da Terra depende da posição desses astros. Como a Lua (embora muitíssimo menor que o Sol) está mais próxima da Terra, acaba tendo o dobro da influência do Sol nas marés. Lembrando: pela lei da gravitação universal de Newton, os corpos se atraem na razão direta de suas massas e inversa do quadrado das distâncias.

Nas marés de sizígia, as forças gravitacionais da Lua e do Sol se combinam para atrair a massa líquida de maneira mais forte, porque, nessa ocasião, estão alinhados com a Terra, em conjunção (lua nova, quando o sol e a lua estão do mesmo lado em relação à Terra) ou em oposição (lua cheia, ou seja, quando a Terra está entre o Sol e a Lua).

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Em quase todo o mundo existem duas preamares e duas baixa-mares no período aproximado de um dia lunar. São as marés semidiurnas, típicas de Vitória (ES) para o norte do Brasil. Porém, em alguns locais, como em Copenhage (Dinamarca) e Do Son (Vietnã), as marés apresentam apenas uma preamar e uma baixa-mar no período de um dia lunar. Tais marés são chamadas de diurnas. Existem também as marés mistas, assim chamadas quando a variação do nível das águas não se enquadra nos critérios acima. É o caso das marés que ocorrem do Rio de Janeiro para o sul do Brasil em ocasiões de quarto crescente e quarto minguante.

Terminologia das marés

Nível de redução (NR): média das baixa-mares de sizígia num determinado período. É a referência (nível 0) nas cartas náuticas brasileiras. Portanto, a altura das marés é contada a partir do NR.

Nível médio (NM): média das alturas observadas durante um período longo. É um valor constante ano a ano, e fornecido em relação ao NR, ou seja, acima deste.

Altura da maré: altura da água existente acima do NR. É indicada na Tábua das Marés.

Profundidade do local: soma do NR com a altura da maré.

Estofo: pequeno período em que praticamente não há variação no nível das águas. Ocorre nas preamares e nas baixa-mares.

Fluxo: é quando a correnteza de maré segue em direção à praia; maré enchente.

Refluxo: quando a correnteza de maré vai da praia para o mar; maré vazante.

Maré grande ou maré de lua: o mesmo que maré de sizígia e maré de água viva, maré de grande amplitude (ocorre por ocasião das luas cheia e nova).

Maré morta: maré que ocorre nos quartos crescentes e minguantes.

Como consultar a Tábua das Marés

A Tábua das Marés é publicada anualmente pela Marinha (Diretoria de Hidrografia e Navegação - DHN) e cobre os principais portos brasileiros do norte para o sul e alguns portos estrangeiros. É uma das publicações importantes para quem navega e pode ser obtida via internet, no site da Marinha. No cabeçalho, consta o nome do porto, o estado, as coordenadas da estação maregráfica responsável pela coleta dos dados, o nível médio da região e a carta mais detalhada do local. Nas colunas, temos a hora, os minutos e a altura acima ou abaixo da carta náutica (NR).

Exemplo:

Em 20 de abril de 2020, em São Sebastião/SP, temos duas baixa-mares (às 08h02 e às 19h47) e duas preamares (às 02h00 e às 13h19). A amplitude na parte da manhã é de: 1,0 – 0,3 = 0,7 m. A maior amplitude do dia é de 1,1 – 0,0 = 1,1 m, entre 13h19 e 19h47. Supondo um local da carta náutica da região, em que a sondagem (NR) fosse de 5,0 m, teríamos às 13h19 uma profundidade 5,0 + 1,1 = 6,10 m. Já no mesmo local, às 19h47 a profundidade seria igual à da carta náutica, 5 metros, pois a altura da maré é zero.

Dicas sobre marés

  • Nas barras e nos canais, a correnteza costuma ser muito forte durante as marés vivas, devido à variação do nível das águas. Se seu barco for lento (como um veleiro), programe-se para entrar ou sair sempre a favor da correnteza.

  • As correntezas são sempre menores junto às margens do que no meio do canal.

  • Ao passar por uma barra desconhecida, é sempre melhor entrar uma hora antes da preamar, pois se o barco encalhar é mais fácil desencalhar quando a maré ainda estiver subindo.

  • Nas atracações em cais fixos, utilize espringues e lançantes, e esteja preparado para regular estes cabos durante as marés de grande amplitude. Nunca utilize espias do tipo través (posicionadas perpendicularmente ao eixo do barco), porque são curtas e podem arrebentar com as variações da maré.

  • Em cais flutuantes, pode-se utilizar espias do tipo través e na maioria das vezes não é necessário regular os cabos de amarração (saiba mais sobre manobras aqui).

  • Nas barras (ligações dos rios e canais com o mar), os bancos de areia e de lama costumam mudar de posição. Por isto, as sondagens (profundidades) mostradas nas cartas náuticas nem sempre são confiáveis, e navegadores experientes deixam uma margem de segurança (pé-de-piloto) de 50 cm.

  • É importante saber que embora sejam previsíveis (e possam ser consultadas na Tábua das Marés, publicada anualmente pela Marinha), as marés também sofrem a influência das condições atmosféricas, e podem ser alteradas por ventos e chuvas fortes, principalmente nos canais. No Porto do Rio Grande (RS), por exemplo, quando o vento sul sopra forte, as águas ficam de tal forma represadas que praticamente não têm variação de nível.

  • Devido à grande extensão da costa brasileira, as marés variam bastante em todo o litoral. Em Florianópolis, o nível médio (média geral do nível das águas) é de 0,63 m. Já em São Luís (MA) é de 3,28 m, o que significa, por exemplo, que no Maranhão a amplitude ultrapassa 6,0 m durante algumas marés de sizígia — consequentemente, nessas ocasiões, a correnteza é muito forte, e deve-se programar a entrada ou a saída do porto sempre a favor da maré.

Curiosidades

  • Pelo mundo, a variação do nível das águas é gradual, porém, no braço norte do Rio Amazonas, algumas vezes na lua nova, a maré sobe de uma vez, com uma onda violenta, a chamada “pororoca”, notória pelo estrago que faz mata a dentro.

  • A força das marés também movimentam usinas de energia elétrica. A primeira delas no mundo foi construída no Rio Rance, na França, em 1966, com turbinas impulsionadas pelo fluxo das águas tanto na maré vazante quanto na maré enchente. Nesse local, situado na região da Bretanha, a amplitude da maré pode chegar a 14 m.

  • A maior variação de marés que se conhece ocorre na costa leste canadense, na Baía de Fundy (Canadá), onde a amplitude chega a 20 m!

Barcos “atracados” às margens da Baía de_Fundy: grande amplitude de marés. Foto: Dylan Kereluk - Wikimedia Commons

Barcos “atracados” às margens da Baía de_Fundy: grande amplitude de marés. Foto: Dylan Kereluk - Wikimedia Commons