Turismo náutico oficializado em SP

Conquista

Coletiva

Por Regina Hatakeyama

Ubatuba, no litoral de São Paulo: para presidente do Fórum Náutico Paulista, turismo doméstico de barcos ganhará mais espaço no pós-pandemia. Foto: Regina Hatakeyama

Ubatuba, no litoral de São Paulo: para presidente do Fórum Náutico Paulista, turismo doméstico de barcos ganhará mais espaço no pós-pandemia. Foto: Regina Hatakeyama

O Fórum Náutico Paulista comemora inclusão do setor como ramo do turismo oficial do estado de São Paulo e se prepara para compartilhar sua experiência com o resto do país. É o que conta o seu presidente, Marco Antônio Castello Branco, em entrevista ao Minuto Náutico

Fundado em 2013 por pessoas ligadas ao setor de barcos de lazer, o Fórum Náutico Paulista representa a indústria náutica de esporte, lazer e turismo junto ao governo estadual, que o reconheceu e encampou em 2016. Seus membros, cuja participação é voluntária e não remunerada, compõem câmaras temáticas, e reúnem-se regularmente para discutir e propor medidas para o segmento — desse esforço, nasceram, por exemplo, os projetos Rampa Pública, para implantação em municípios banhados por rio ou mar, de forma a impulsionar o turismo náutico; e Meu Primeiro Barco em São Paulo, para oferecer ao mercado, a preço equivalente ao de um automóvel médio, um modelo de lancha com casco, motor e equipamentos produzidos no estado, e assim, incentivar a indústria e o comércio de barcos (assista ao vídeo, no final desta matéria).

O Fórum passou a fazer parte da Secretaria do Desenvolvimento Econômico de São Paulo em 2016 e garantiu lugar também, no início deste mês, na Secretaria de Turismo, onde ajudou a elaborar um protocolo com novas regras para garagens, marinas e clubes náuticos, considerando os cuidados relativos à covid-19.

Para entender o significado da conquista de mais esse espaço junto ao governo e o papel do Fórum Náutico Paulista, entrevistamos o seu presidente e idealizador, Marco Antônio Castello Branco. Confira:

- O que significa a inclusão oficial do segmento náutico na lista de atividades contempladas pelas políticas para o turismo de São Paulo?

Significa muito, porque, pela primeira vez, é reconhecido oficialmente o turismo náutico como um ramo da atividade de turismo. Já tínhamos o turismo, por exemplo, de aventura, religioso, histórico, gastronômico, cultural, e por aí vai. Isso abre um caminho muito grande para aumentarmos a gama de atividades nesse setor.

- Quais atividades compõem esse segmento?

O turismo náutico compreende o turismo de água salgada e água doce, lembrando que o número de embarcações na água doce é superior ao de água salgada. Os rios de São Paulo têm milhares de quilômetros navegáveis, temos muitas represas e lagos. É muito importante que você possa levar para o interior do estado o desenvolvimento de marinas, garagens náuticas, competições náuticas de vela, motor, remo. Portanto, temos uma ampla gama de atividades de lazer, de esporte e de exploração turística com charter (aluguel de barco). Por rios como o Tietê e o Paraná, é possível fazer passeios maravilhosos por eclusas, alguns já existem, mas é preciso ter condições de organizá-los melhor, para promovê-los melhor, para que a gente tenha o desenvolvimento do turismo náutico. São Paulo tem muito potencial turístico. Nosso estado tem 40 milhões de habitantes e muito pouco é oferecido a esses 40 milhões em termos de produtos turísticos. Aí, agora eu acho que teremos uma grande chance de desenvolver. Já naveguei pelo Tietê desde Barra Bonita, onde há eclusas e alguns empreendimentos da iniciativa privada já há algum tempo, até Presidente Epitácio. Em si, só subir e descer na eclusa e depois sair navegando já é um programa turístico maravilhoso. Lá na frente, despolui o Rio Tietê. Depois, você pode entrar pelo Rio Paraná, descendo na direção sudoeste. É um passeio sensacional. Na época, queríamos mostrar que o rio é navegável. Então, nós fizemos uma viagem. Convidei o Almirante Pierantoni (Carlos Afonso Pierantoni Gamboa), que era comandante do 8º Distrito Naval, o Amyr Klink e algumas lideranças do setor náutico. E lá fomos nós, navegando e mostrando as possibilidades do rio. Portanto já há algum tempo que nós temos esse trabalho sendo efetuado.

- Como era até então?

O Fórum Náutico Paulista existe desde 2013, mas, oficializado pelo governo do estado, desde 2016, através de um decreto do então governador Geraldo Alckmin, que criou o Fórum e o colocou no organograma do governo junto à Secretaria do Desenvolvimento Econômico. A nossa atividade é o relacionamento da indústria náutica com o governo do estado. Na época, me perguntaram por que sugeri ao governador ficar na Secretaria do Desenvolvimento Econômico e respondi que o turismo estava embutido, como um braço da indústria náutica. Além da cadeia de produção de uma embarcação, tem as consequências: marina, garagem náutica, que precisam de trator, travel lift; e técnicos especializados, marinheiros profissionais, mecânicos para manutenção, marceneiros, especialistas em fibra, em eletrônicos. Por isso estar naquela secretaria, mas um dos principais objetivos do Fórum é o desenvolvimento do turismo náutico.

- Como é a composição do Fórum Náutico Paulista?

O Fórum Náutico é constituído por representantes de governo e da iniciativa privada, como Marinha do Brasil, secretarias de estado, Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e seus Implementos – Acobar e Associação das Marinas do Estado de São Paulo. As marinas, por exemplo, precisam muito do Fórum Náutico para obter suas regulamentações, principalmente no setor do meio ambiente, que é muito difícil de ser compreendido. Sobre o mesmo assunto, tem lei federal, estadual e municipal, é um emaranhado. Há escritórios de advocacia especializados em legislação ambiental, e mesmo eles têm enorme dificuldade em interpretar essa legislação. Calcule um cidadão que queira abrir uma marina. Então, uma das nossas funções foi trabalhar ativamente isso. Algumas coisas já foram transferidas, em termos de fiscalização, do governo federal para o estadual, e algumas coisas já foram transferidas também para as prefeituras. É impossível, para o governo federal, fiscalizar todas as marinas, garagens náuticas e iates clubes, mas o poder era dele. Agora, principalmente as prefeituras, por delegação, podem exercer esse papel fiscalizador. Agora, facilitou a fiscalização, mas não o entendimento da legislação, porque o Ministério Público tem várias interpretações sobre a lei, e são inúmeras leis. Isso inibe grandemente o desenvolvimento do setor. Voltando ao Fórum, está praticamente pronta uma cartilha elaborada pelo Fórum Náutico Paulista e pela secretaria estadual de Meio Ambiente, para dar às marinas, garagens náuticas e clubes náuticos uma noção da legislação, dizendo “fique dentro desta cartilha”. Dentro do possível, ela esclarece ao setor náutico como proceder para abrir ou para manter uma entidade que se proponha a fazer a guarda de embarcações, para ter mais segurança para operar.

- O senhor tem interesse pessoal por barcos, como chegou ao Fórum Náutico Paulista?

Navego, sou capitão e, como um usuário de barco, vi que não havia um diálogo do setor com o governo do estado e muitas vezes, pelo contrário, o estado e a iniciativa privada do setor náutico conversavam através do Poder Judiciário: o estado processando a marina, a marina processando o estado, porque não se entendiam, principalmente nas regras do Meio Ambiente. Então, diante disso, veio: “Vamos tirar isso do campo judiciário e trazer para o campo do diálogo e do entendimento, há necessidade de um canal de comunicação”. Então, surgiu o Fórum. Fiz uma proposta, enviei ao governador Geraldo Alckmin, ele analisou, aceitou a proposta e criou o Fórum através de um decreto [decreto nº 62.228, de 24 de outubro de 2016; N.R.]. Continuamos trabalhando enquanto o governador ia entendendo a proposta, e quando ele viu o que já vinha sendo feito, entendeu a proposta e decidiu fazer o decreto. O Fórum trabalhou em sistema experimental durante dois anos e meio, e depois foi oficializado.

Castello aponta para o nome do seu barco, Blue Brasil, que deixou registrado no piso do Bar do Peter, a “esquina do mundo” dos navegadores de longo curso, nos Açores. Foto: arquivo pessoal

Castello aponta para o nome do seu barco, Blue Brasil, que deixou registrado no piso do Bar do Peter, a “esquina do mundo” dos navegadores de longo curso, nos Açores. Foto: arquivo pessoal

- Tem alguma vivência em política, em administração pública?

Tenho 40 anos de experiência na administração pública, no executivo e legislativo: trabalhei na Prefeitura de São Paulo, fui diretor da São Paulo Turismo - SP Turis, fui secretário de Governo e de Turismo do estado, trabalhei no governo federal e fui deputado estadual 20 anos. Eu tenho uma escola, isso me ajudou muito para criar o Fórum, porque a burocracia estatal nos três níveis é interminável. Além de saber a legislação, você precisa entender o funcionamento da máquina pública.

- O senhor mencionou dificuldades entre o setor náutico e o Meio Ambiente, conhece esta área?

Fui criador do Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, junto com José Carlos Carvalho (ex-secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais e ex-ministro do Meio Ambiente do governo Fernando Henrique Cardoso), que juntou quatro órgãos em um só. Existiam na época o IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, então dirigido por mim e pelo José Carlos; a Sudepe - Superintendência do Desenvolvimento da Pesca; a Sudhevea - Superintendência da Defesa da Borracha; e a Sema - Secretaria Especial de Meio Ambiente, subordinada diretamente à presidência da República. Esses quatro órgãos cuidavam do Meio Ambiente, havia choques e não se resolvia nada. Então, juntamos os quatro num só. Vimos que havia um erro na estrutura do governo, então fizemos uma proposta, o governo aceitou um trabalho elaborado por nós dois, enviou um projeto de criação do Ibama para o Congresso Nacional e foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado da República.

- Quem era o presidente na época?

José Sarney. Ele entendeu bem. Primeiro, tivemos que convencer o Executivo, inclusive as áreas militares, mostrando que esse instituto não ia complicar a defesa das nossas divisas geográficas. Então, eu podia dizer, lá no início do Fórum Náutico Paulista, desde 2013, “Chega de judicialização, o governo e o setor náutico não podem continuar conversando através do Poder Judiciário”. Isso acabou. Hoje, se entendem todos através do Fórum. E veja, as últimas reuniões do Fórum, antes da pandemia, foram realizadas na Secretaria do Meio Ambiente, na sala de reuniões do Consema – Conselho Estadual do Meio Ambiente Quem poderia imaginar, alguns anos atrás, esse entrosamento, esse relacionamento, nós fazermos reunião do Fórum dentro do Meio Ambiente?

- O senhor pode comentar as conquistas que o Fórum Náutico já alcançou?

Conseguimos tornar concreta e efetiva a representação do setor náutico no governo de São Paulo, e daí as suas consequências. Vou citar exemplos bem recentes. Como quando houve uma ameaça grave ao setor de não ter mais seguros de embarcações e para as marinas. Em setembro do ano passado, a Bradesco Seguros disse que não ia fazer mais seguro para embarcações. Aí, o Fórum entrou, fizemos contato com a CNseg, a Confederação Nacional das Seguradoras, fizemos várias reuniões com a FenSeg, a Federação Nacional de Seguros Gerais, e foi revertido. Fizemos três protocolos: para quem fabrica barcos, para quem guarda barcos e para quem é proprietário de barco. Então, o protocolo tinha as exigências básicas para que se cuidasse da embarcação, desde quem faz até quem usa, passando por quem guarda, para evitar incêndio e danos maiores. Enviamos esses protocolos.

Outro fato muito importante, acabou a judicialização, e também um destaque é o Meu Primeiro Barco, que foi criado pelo Fórum. É uma vitória, e junto, no município de Santa Fé do Sul, vamos ter a primeira rampa pública feita a partir de um projeto do Fórum Náutico Paulista. O prefeito já está com a licença ambiental para construir a rampa pública.

Santa Fé do Sul deve ter a primeira rampa pública idealizada pelo Fórum Náutico Paulista. Foto: santafedosul.sp.gov.br

Santa Fé do Sul deve ter a primeira rampa pública idealizada pelo Fórum Náutico Paulista. Foto: santafedosul.sp.gov.br

Então, você tem o barco e tem como por e tirar ele da água, com uma rampa pública gratuita. A prefeitura faz pra incentivar o turismo náutico no município, não cobra, mas tem um anexo a isso. O barco precisa de uma carreta, então precisa de um pátio para guardar o barco com segurança, e aí começa a desenvolver tudo o que o turismo náutico puxa consigo, pode ter uma lanchonete, vestiários, mecânico, abastecimento, uma coisa puxa a outra. Se o sujeito quiser passar o fim de semana com o barco, chega sábado de manhã, vai sair domingo à tarde, pode ter uma pousada, então ramifica, para criar desenvolvimento econômico, emprego no município. Então, é a soma: Meu Primeiro Barco, mais Rampa Pública.

Estamos tendo um apoio extraordinário do Vinicius Lummertz, secretário de Turismo do estado. A Desenvolve São Paulo, que é um banco de fomento do governo do estado, abriu uma carteira de crédito chamada Meu Primeiro Barco. Então, se você quiser, tem uma linha de crédito, a Meu Primeiro Barco, específica para construir seu barco.

- É possível imaginar como ficará o setor náutico pós-pandemia de covid-19?

Acho que aqui no estado vai ficar muito bem, porque as dificuldades de viagens nacionais e internacionais serão maiores, você vai ter restrições de voos, porque as companhias aéreas vão estar numa realidade muito diferente, vai ter uma recessão econômica, nem tanta gente vai dispor de recursos pra viajar pra gastar longe, noutro estado, noutro país, então, eu vejo que o turismo vai se virar pra dentro. É muito mais fácil eu pegar um carro e levar um barco até o Rio Tietê, o Rio Paraná, a uma marina em São Sebastião do que fazer uma viagem maior, porque tenho restrições naturais. Então, acho que o turismo doméstico vai ter um grande impulso em detrimento do turismo nacional e internacional. Sabendo operar, nós vamos ter condições de desenvolvimento dos charters, das marinas e do comércio de embarcações novas e usadas. Eu acho que você vai ter vendas e aluguéis de embarcações, guarda de embarcação, charter, vamos ter condição de desenvolver bem pós-pandemia. A grande maioria que já estava acostumada a fazer viagens internacionais, não vai poder mais, mas os fins de semana e feriados vão continuar, as férias, como vão fazer? Vão para perto. Podem pegar o carro e ir para um rio ou praia onde tenham barco para passar o fim de semana gastando o mínimo, e se o barco for um pouco maior, podem dormir no barco. Senão, ficam em uma pousada. Os destinos com os produtos turísticos mais próximos e econômicos serão privilegiados, terão preferência sobre os destinos mais lingínquos e, portanto, mais caros.

E mesmo passada a pandemia, é provável que seja necessário manter um certo distanciamento social, e o barco permite isso, não é?

Sim, a mesma família que mora e viaja junto, pode estar no mesmo barco, não há problema nenhum. Então, tenho esperança em uma retomada, sim, do turismo náutico no estado de São Paulo.

Além de Santa Fé do Sul, há interesse de outros municípios em fazer uma rampa pública?

Sim, vários municípios,e quando a rampa de Santa Fé do Sul estiver pronta e operando, mostraremos, à Aprecesp, a Associação das Prefeituras das Cidades Estância do Estado de São Paulo, que reúne prefeituras de todos os municípios que têm água doce ou água salgada do estado, são 70 municípios banhados por mar e rio. Vamos trazer esse projeto e dar aos prefeitos.

Alguma outra novidade?

Está sendo criado o Fórum Náutico do Brasil, já está reunido um grupo que conhece profundamente o setor náutico em todos os seus aspectos. Era uma ideia e já evoluiu para um trabalho efetivo, para que se torne realidade dentro de pouco tempo. O que ganhamos de experiência nesses anos todos do Fórum Náutico Paulista vamos levar para ampliar a ação para o país inteiro.

Meu primeiro barco